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MÁRIO RUI N. CORDEIRO - PINTOR/POETA/ENCADERNADOR

PINTAR E ESCREVER ABRANTES
Por José Manuel d’Oliveira Vieira
          “PINTAR E ESCREVER ABRANTES”, vai focar três personagens que fizeram parte da cultura abrantina: Mário Cordeiro (I), José Paulo Fernandes Júnior, solicitador/dramaturgo/pintor (II) e Dr. José Serra da Mota, advogado/notário/pintor (III)
(I)
MÁRIO RUI N. CORDEIRO (1950/2016) – Pintor/Poeta/Encadernador, é o primeiro nome que pretendo homenagear neste pequeno registo – PINTAR E ESCREVER ABRANTES.
            Muito já foi dito sobre o “Eça” de Santa Margarida/Constância que Abrantes adotou.
            A entrada do Mário no serviço militar obrigatório e o que esteve na origem de abandonar a vida castrense com um outro amigo de Abrantes é um assunto que poucos conhecem. Rumo à Bélgica, passou por Leiria onde alguns dias depois a P.I.D.E esteve em casa de um meu familiar.
Deambulando pelas faldas de Bruxelas (Bélgica), Mário Cordeiro bebeu outras culturas e outros hábitos que trouxe para Portugal.
            Sempre que ia a Abrantes, via o Mário, ou o Mário me via, era inevitável conversarmos um pouco, beber um café e sempre que podia lá ia adquirindo um dos seus desenhos ou pinturas.
Nos postais ou cartas que escrevia, lá vinha uma cópia da sua poesia, sempre ilustrados por um dos seus característicos desenhos.
À mesa de um qualquer café, guardanapos de papel eram muitas vezes utilizados para o Mário dar azo à sua inspiração poética.
A arte de desenhar marcando pontos sobre a tela foi única em Abrantes.
A rebeldia para com a sociedade que o não incluía era um manifesto na sua poesia e desenhos.
“COISASD’ABRANTES” não esqueceu o muito que o Mário deu à esfera cultural abrantina.
Mário Cordeiro, POETA/PINTOR, não pode ficar esquecido só porque teve o azar de viver numa sociedade diferente daquela onde em tempos como “exilado” “tinha bebida” “cultura e hábitos”.
Mário viveu momentos difíceis na sua vida. Nos períodos de mais dificuldade víamos o Mário andando por Abrantes a tentar vender os seus quadros e pequenas encadernações. Entre os quadros que comprei ao Mário Cordeiro não posso deixar de referir o realizado a três dimensões com o titulo “Abril/Maio/Flores”.
Desenhos, pinturas, cartas ou pequenos textos (alguns originais, outras cópias do “Contador de Histórias”), que o Mário me enviou não podem ficar no anonimato.
Nas cartas do Mário, havia sempre um lamento. As promessas, o não reconhecimento das suas “Capacidades Intelectuais” era uma constante. A justificar o que escrevia anexava às cartas fotocópias dos seus originais.
Em 2001 envia o original “O Contador de Histórias” a Sua Exª o Presidente da República e recebe deste o respetivo agradecimento. Por outras cartas enviadas à Presidência da Republica, Sua Exª o Presidente da Republica acusa a receção e refere: …. Aproveita-se a oportunidade para desejar as maiores felicidades à eventual recepctividade que as autarquias de Constância e Abrantes possa dar às propostas que entenda por bem apresentar-lhes.
Para memória se regista neste pequeno espaço o pouco do muito que o “EÇA” de Santa Margarida/Constância deu a Abrantes, terra que o viu crescer e morrer. Não terá sido um “Luis Pacheco”, mas morreu como “ele”.
(Postal 1)
(Postal 2)
(Postal 3)
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"Só Promessas" - Carta a José Vieira
((Folha 1)
(Folha 2 f)
(Folha 2 v)
(Folha 3 f)

(Folha 3 v)
(Folha 4 f)

(Folha 4 v)
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Frente e verso de 4 guardanapos de papel escritos à mesa de um café.
(originais propriedade José Vieira)
"O Lago do Cisne"







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Abril/Maio/Flores
Portugueses pelo Mundo - 25 de Abril: terá sido esta a inspiração de Mário Cordeiro?
(Pequeno quadro a três dimensões - propriedade José Vieira)

 
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Carta do "Eça" de Abrantes a José Vieira
(Oferta do Autor – Mário Rui N. Cordeiro – junho 2015)
APRESENTAÇÃO
 Nessa tarde eu estava sentado num banco perigosamente vermelho dum pequeno e monótono jardim, lentamente concedido ao borbulhar calcário duma sumptuosidade marítima, isto é, habitada pelos mapas rituais e eróticos, reavivados pelo constante bater do mar no destino árduo dos navios.
E de olhar ligeiramente preso ás mãos que havia já muitos dias, não guiavam qualquer palavra, pensava em coisas impossíveis de explicar, coisas terríveis, coisas fortemente características de um olhar aéreo, aereamente fixo, mas repleto de uma atenção magnífica, silenciosa, trabalhada durante anos e anos pelo amor e pela experiência.
Nessa tarde em que tudo era para mim o resultado de uma angústia desordenada, enorme e mortal, eu senti nas minhas mãos o bater nostálgico do medo.
Ter medo é uma qualidade dos homens que negoceiam a expressão, pensei, fixando os olhos num rosto imóvel, tentando interpretá-lo até à última feição, até ao movimento irreflectido dos seus lábios habituados.
Talvez a esta hora ela me espere, murmurei, enquanto desviava os olhos do rosto imaginado.
As portas acrescentavam súbitos gestos à religiosidade das casas; casas melancólicas que estão na origem de todas as cidades.
Nada era para mim mais triste que o facto de me saber longe de tudo o que até ali me excitara o desejo de criar; criar a partir do gesto furibundo de olhar as coisas e lhes imprimir um destino mais exacto. E foi quando a noite desceu sobre o colorido das casas e dos jardins que decidi partir.
Alguém, talvez ela, me esperava e assim seria de novo manhã na minha difícil obra, nas minhas mãos a trabalharem as palavras até à loucura dos dias irremediavelmente sós e habituais; dias a moldar o fogo interno das palavras inexoráveis.
O sorriso matinal dela, as flores infantis de um amor vivo e longamente cantado pela voz errante dos séculos habitados pela noite em que pela primeira vez experimentei o fogo intimo das palavras.
É então que uma voz chega, a insolência de uma voz anterior à desumana presença dos mestres, matemáticos e engenheiros, que sobre os milhares de palavras, na sua maioria impalpáveis, exaltam o espantoso olhar do Hall 1200 que ao amanhecer toca o sossego celeste dos olhos minúsculos que governam os templos do mundo.
E de súbito a tragédia domina a cidade cega, a fonte fria, o fogo calmo, os altos muros e caminhar é agora mais que a simples movimentação dos olhos e das pernas.
Um dia será ela a luz que falta, a roda que se constrói ao serão, a idade impossível de parar e tudo será as palavras que usei para falar.
O vento baterá no fogo dedicado de quem regressava para saber e para ser e eu ficarei entusiasmado por ela, a mulher bruscamente amada, a mulher eficaz, lentamente imaginada á noite, sobre as mesas brancas dum café angustiosamente vazio e habitual.
Uma vez vieram junto de mim e disseram: tens de começar.
Ás vezes não vinham e escreviam bilhetes. Dizendo: tem calma, alegra-te, parte, regressa e outras coisas assim.
Eu duvidava de tudo isto e saia, dizendo: - vou "beber cerveja, já volto.
Quando voltava era tarde, eles já não estavam e eu podia, por fim, aproximar-me um pouco mais de mim mesmo.
Pensava: - para que serve tudo isto?
Um dia ela veio e eu disse-lhe: - chegaste.
Trazia uma voz essencial, um nome e uma idade e disse-me: - sim, cheguei.
- Vamos amar tudo isto. Apetece-te café?
E fiz café, enquanto perguntava: - onde andaste todo este tempo? Que fizeste, em que pensaste?
E ela espalhava-se em todas as direcções, invadia todo o quarto, o pequeno armário do fundo, os livros e os papeis.
E eu disse-lhe: - expandes-te muito.
Ás vezes deambulávamos pela neve que invadira toda a cidade.
- É uma cidade lenta, esta - dizia-me.
      - Achas que podemos salvar tudo isto, tornar possível estas
palavras, estes gestos? - perguntei-lhe.
E ela disse: - não sei, não tenho a certeza.  
Há uma falta de certeza terrível neste mundo - pensei.
Imaginemos um homem que pensa em atravessar o mundo. Existe nele qualquer coisa a que poderíamos dar o nome de angústia. Uma angústia lenta como a treva, o nevoeiro, as coisas espessas.
Às vezes esse homem está na montanha, na colina mais alta. Tem os cabelos enormes e não diz nada, não fala, não pergunta. Imagina a sua própria casa num lugar longínquo.
Então chega o actor e o homem diz-lhe: li livros, conheço todos os mares e o mundo. Que fazer de tudo isto?
Um homem pensa durante muitos anos e por fim descobre que é um homem pensativo e diz:
      -sou um homem pensativo. Penso.
-Isso é simplesmente terrível, diz o actor.
Sempre a vida foi uma questão de preços; ardem as praças, acrescentam-se novas cidades às paisagens.
Imaginem um vagabundo encharcado de vinho gritando:
-estou desempregado, não tenho profissão e sou católico. Sempre colaborei em todas as revoluções e golpes-de-estado, mas nunca roubei nada a ninguém, nem me passou pela cabeça tais atitudes.
O mercador de espelhos passava apregoando as qualidades profundas do inocente, do seu raciocínio e das noites de insónia.
Os comerciantes haviam acabado de pôr os seus mais atraentes produtos à porta e a multidão passava cansada.
Nada mais me restava da antiga recordação, nem dos contornos de algum rosto.
Talvez por isso me afastei dali sem perspectivas. O passado era um tiro na memória, efémero.
Às vezes um simples olhar demora-nos um pouco mais na solidão e o vento traz-nos o cheiro dum mar qualquer.
Assim foi. Eu contemplava em voz baixa rudes perfis e não pensava sequer em diálogos. Acabei por cansar-me e atacado peio aborrecimento que toda a observação demorada nos produz, escrevi diálogos admiráveis e jocosas cartas a tipos corajosos.
Uma forma de aproveitar a paz de algumas belas palavras, meia dúzia de canções na rádio e muito desprezo.
As formas pessoais sempre nos dividiram; a maior parte dos advérbios, alguns adjectivos, quase todas as palavras não são mais que pequenas fidelidades atmosféricas dum lugar injustificado.
Escrever é um modo de acreditar, dirá alguém. É um modo de tornar possível uma paisagem.
É assim: vamos pela terra fora tentando respirar. Alteramos assim um discurso, uma inclinação para o que é extenso.
-É aqui, dizemos. E na verdade era aí.
Isto faz sentido, tem importância, percebe-se.
Ás vezes é impossível estar ausente e tudo o que se faz comporta essa forma perigosa de ser. Olhamos em volta, falando do que é nosso. Tentamos criar a partir de nós próprios um novo discurso, uma coisa perigosa, violenta.
-Que se há-de fazer? - perguntamos.
Então dicidimos escrever, como se tivéssemos repentinamente emudecido. Esperar será pela primeira vez uma arte.
Vêm depois os inevitáveis impulsos e esquecem-se as férias, pedem-se desculpas.
Assim se inicia a representação.
Um novo modo de ser triste determina a nossa voz. Anos depois, aos nossos próprios gritos, suceder-se-ão as supremas técnicas para os ouvir.
Então, como se ousássemos sacrificar um doce destino, o rumo completo de uma vida, murmuramos as mais lúcidas palavras que conhecemos e em pleno inverno, envoltos pela crueldade duma cidade estrangeira, choramos.
Pela madrugada, saímos para a rua a falar da ternura, com uma poderosa expressão e violência.
Um mapa é uma pequena ironia dum comedor de fruta esforçando-se por completar a arquitectura da imagem.
Ali está diante dum espelho verde, numa cadeira, defronte duma mesa, com uma garrafa vazia. Tudo isto é múltiplo.
Uma estrela é um erro que nos transforma em roseiras.
Um comedor coloca estampas nos espelhos de águas selvagens e os assistentes levantam-se, absorvem-se na loucura do aplauso. A praça chama-se mês de março e as laranjeiras esvoaçam, as árvores.
O comedor de fruta ergue o braço, sobe pela própria voz e inventa a Idade Média, que é um gabinete sem dicionários.
Ninguém se discute quando se dança selvaticamente, porque lhe foram dados os nomes: Portugal, seda delirante, mulheres morrendo, instrumentadas. Abraço o mapa com uma confusa firmeza e impaciência. Nada em mim ressurgirá se me encher de eternidade, talvez até morra, preso, assassinado numa prisão didáctica.
Ao lado do comedor de fruta desenho o tocador de corneta.
Em pleno centro da violência diária desenho o horizonte, a velha miséria do escorbuto roendo os navios.
Tropeço nos polícias assassinados com toda a paciência. O fumo do teu cigarro. Muita gente reza e aclama, de novo, os carros celulares.
Desço o boulevard Saint-Germain. O poema é um editor magnético que ilustra toda a cidade e dá a volta ao mundo. Mesmo assim todos os remédios não chegam para se poder afirmar o que as máquinas poderiam fazer.
O mundo é tão vasto e veloz até que acaba.
Do livro em preparação
“O Contador de Histórias”
Mário Rui N. Cordeiro
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Pinturas e desenhos que se encontravam armazenadas na Rua da Videira pertencentes à Ex Liga dos Amigos de Abrantes.
 
 
 
Rua da Videira
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Desenhos (cópias) de Mário Cordeiro enviados a José Vieira
Folha Abrantina
Convento de S. Domingos (Mário retratando-se)
Castelo de Abrantes - Relógio de Sol no local onde se encontrava antes da recuperação do espaço. No local onde se encontra atualmente continua a faltar o "gnomo"
Convento de S. Domingos
Outeiro de S. Pedro
s/nome

s/nome
Jardim do Castelo - antigo pombal que também quiosque entretanto demolido
Santarém - fonte
Igreja de Alferrarede
 
Foto inédita de Mário Cordeiro (negativo CVD (f) 145) 

Crisântemos
(Propriedade José Vieira)
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Carta a José Vieira
"JOGADA DE MAU GOSTO"





No local está hoje a C.G.D.
(Propriedade José Vieira)
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Carta a José Vieira

Fonte de São Caetano
(Propriedade José Vieira)
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Eça - Desenho Mário Cordeiro (poderá ser original)
Cópia de texto a José Vieira
"Le Monsieur Eça"




Castelo de Abrantes
(Propriedade José Vieira)
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Carta a José Vieira
"Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira"
Pai de Mário Cordeiro - Encadernador (negativo CVD (f) 098)













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