Translate

ABRANTES - NA PISTA DA COMUNIDADE JUDAICA 1383-1493 (II)

 Cristãos-novos, seus descendentes e Inquisição no Ceará De Abrantes e Lisboa à ribeira do Acaraú

Publicou este blog em 2016 e “Jornal de Alferrarede” em 2012, ABRANTES - NA PISTA DA COMUNIDADE JUDAICA 1383-1493”. À época em que escrevi um pequeno e despretensioso artigo sobre os judeus em Abrantes, estava longe de imaginar que do outro lado do Atlântico, o jornalista Nilton Melo de Almeida, iria escrever a impressionante história da família Sequeira, “Cristão-novo”, a residir na Rua Marquês de Pombal, antiga Rua de Santo Amaro – Abrantes.
No seu livro “Cristãos-novos, seus descendentes e Inquisição no Ceará”, no “Capítulo 6” – “De Abrantes e Lisboa à ribeira do Acaraú”, Nilton de Almeida narra o sofrimento e o trajeto de uma família às mãos dos inquisidores, uma história iniciada há mais três séculos em Abrantes.
Centralizando os acontecimentos iniciados em Abrantes e pelo interesse que tem para a história local, solicitei ao autor autorização para a divulgação da sua obra o qual anuiu a dar o “uso que considerar conveniente “:
Do livro “Cristãos-novos, seus descendentes e Inquisição no Ceará” - Capítulo 6 - De Abrantes e Lisboa à ribeira do Acaraú, transcreve-se a página 195:
[...] havera nove annos e meio E que hû anno pouco mais ou menos antes da prisão delle confitente sendo já solto desta Inquisição Francisco de Sequeira christão novo morador que foi em Abrantes, veo elle confitente a esta cidade hindo a casa do ditto Francisco de Sequeira lhe deo os pezames de elle aver estado preso e o ditto Francisco de Sequeira lhe respondeo que elle confitente lhe tinha muitas obrigaçõens, porque não quisera dizer delle confitente e que dissera de seu tio João francês por ser já morto, e falando nas cousas de Ley de Moizes ambos lhe disse o ditto Francisco de Sequeira que a verdade era que quem de coração era Judeu, tarde tornava a ser christão e se farão por amigos da mesma nação [...]734

6. l. Um homem contra “patranhas”
Uma história iniciada há mais de três séculos e meio, em Abrantes, região centro de Portugal, no médio Tejo, tem desdobramentos na ribeira do Acaraú, sertões do Cea­rá. Parte da Beira "muito infeccionada de judaísmo",735 nesta vila portuguesa, vive o tronco de uma família que resiste nas práticas judaico-cristãs-novas, perseguida e em permanente mobilidade geográfica (Mapa 12). É em Abrantes que um Sequeira cristão-novo judaíza quase acintosamente, percebe o risco de ser preso e muda-se para Lisboa, onde começa seus embates com a Inquisição logo no início da segunda metade dos Seiscentos. Uma trilha instigante de homens e mulheres que cruzam o Atlântico, refazem o caminho de volta ao Reino e depois se dispersam. Um tronco retorna para o Brasil, mais precisamente para a ribeira do Acaraú, no Ceará.736 Trata-se, como ve­remos mais adiante, de caso excepcional em que as linhas (ascendente e descendente) de condenados pela Inquisição são identificadas apesar do fato de uma condenada ter… 

734 ANTT/IL, processo de Francisco de Sequeira, n.º 8.426-1, fls. 8v-9.

735 SANTA Ana, Estêvão de. Sermão do Acto de Fee, que se celebrou na cidade de Coimbra, na segunda Dominga da Quaresma. Anno de 1612/composto, e pregado pelo Padre frei Estêuão de S. Anna. 2. ed. Lisboa: António Aluarez, 1618; GARCIA, Maria Antonieta. Denúncias em nome da fé. Perseguição aos judeus no Distrito da Guarda de 1607 a 1625. Lisboa: Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da U.N.L., 1996, p. 326; MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa... Op. Cit., p. 161. TA­VARES, Maria José Ferro. As judiarias de Portugal. Op. cit., p. 129, ao comentar sobre a fixação dos judeus, nos finais do século XV em localidades próximas do Tejo, diz: "Destacava-se nesta região a judiaria de Abrantes que se localizava no exterior da alcáçova, mas encostada a esta. Iniciava-se na Rua Grande, a via de comércio e de circulação de pessoas e bens, e terminava na Rua dos Coelheiras. É a atual Rua Nova. Nos arredores ficava o Vale dos Judeus, provavelmente, o seu cemitério".

736 Devo a construção deste capítulo sobretudo a Raimundo Portela ou Diogo Baruel, descendente em décimo terceiro grau de Francisco de Sequeira e de Brites da Paz. Suas informações sobre os descendentes de Francisco de Sequeira mostraram-se precisas. O engenheiro Luís Gonzaga Vasconcelos, casado com uma Siqueira, também me apontou caminhos para a escrita desse episódio da Inquisição que liga Portugal ao Brasil e ao Ceará.


O AUTOR

Nilton Melo Almeida é jornalista, doutor em História Moderna, investigador correspondente do CHAM - Centro de Humanidades, vinculado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e à Universidade dos Açores, e integrante do Grupo de Pesquisa Diáspora Atlântica dos Sefarditas, vinculado ao Departamento de Historiada Universidade Federal de Sergipe. Em 2016, publicou Judeus no Ceará (Séculos XIX e XX). Contacto: niltonmalmeida@uol.com.br

Nota: no dia 26 de abril de 2021, tive a grata surpresa de receber do autor Nilton Melo Almeida o livroCristãos-novos, seus descendentes e Inquisição no Ceará”.