ABRANTES
NA PISTA DA
COMUNIDADE JUDAICA
1383/1493
Por José Manuel
d’Oliveira Vieira
No Arquivo Municipal
Eduardo Campos, a mais antiga referência
documental sobre a existência de judeus em Abrantes data de 1386. Nesse documento é referido ter
sido lavrado um testamento em 25 de Janeiro desse ano, onde figura um Domingues
Eanes, de alcunha “o mata judeus” 2.
Não
sendo conhecido o número exacto de judeus em Abrantes e os registos da presença
destes apenas ser conhecida a partir de 1383
a 1460 (inferior a uma centúria), o que encontramos no “Levantamento
Populacional” do livro de Maria José Pimenta Ferro Tavares 3 e na “memória
histórica da notável vila de Abrantes” 4, embora relevante,
pouco ou nada nos diz do local ou locais de fixação dos Judeus em Abrantes
desde a década de 80 do século XIV à década de 60 do século XV.
Em 15-1-1383, Bemjamim
Sapaio (“Bulhamy Çapaio”) é o primeiro judeu que aparece com morada em
Abrantes. Rendeiro dos direitos reais em
Abrantes e seu termo - direitos arrendados: sisas gerais e do vinho, pela
quantia anual de 2.300 libras5.
Habitando o espaço
físico cristão, os judeus, quando em número superior a dez, criam a sua própria
comunidade. Esta é vulgarmente designada por comuna ou judiaria”6.
Consoante a sua
importância e sobretudo a densidade populacional, na maioria dos casos, as
comunas (agrupamento de muçulmanos ou judeus obrigados a morar em bairros
especiais), possuíam apenas uma judiaria. No livro 5 da Chancelaria de D. João
I, f. 73 e livro 1 da Chancelaria de D. Afonso V, f. 26, Henrique da Gama
Barros7 encontrou referências à comuna de Abrantes.
O termo “judiaria” para além de designar um ou mais
arruamentos habitados maioritariamente por indivíduos judeus podia ainda ser
usado para significar uma área específica de um bairro hebreu.
Associado
à população judaica, são conhecidos dois lugares em Abrantes: Rua Nova, nome pela qual ainda hoje é conhecida:
em zona de despejos, quintais e casas arruinadas junto à porta e muralhas do Castelo
e Celeiro de Abrantes (lugar que provavelmente os cristãos sentiam repugnância
em habitar), próxima de um arruamento principal como era a Rua Grande e tendo
como vizinhança templos cristãos (a sul a Igreja de S. Pedro-o-Velho e a norte
a Igreja de S. Vicente), encontra-se a antiga e atual Rua Nova8,
(judiaria ou comuna da “Villa” de
Abrantes). Sobre o topónimo Rua Nova, não
esqueçamos o que nos diz a historiadora Herminia Vasconcelos Vilar no seu livro
Abrantes Medieval – Séculos XIV – XV, a pg. 26: Rua Nova, que apenas se menciona pela primeira vez em 15029,
parece indicar a existência dum processo de transformação da antiga rua dos
judeus na citada Rua Nova, após a expulsão daqueles.
Rua Nova
O segundo lugar, cujo nome só
por si atesta a presença de uma comunidade hebraica em Abrantes é o “Valle
de Judêo”, provavelmente o primeiro local de fixação dos judeus em
Abrantes!
Incompreensivelmente, o percurso que nos conduz à Porta do Vale dos Judeus está transformado em lixeira e com silvas. Os antigos e altos muros com a história deste itinerário encontram-se destruídos e outros foram substituídos por muros de suporte a novas construções. O que resta de uma fonte (nascente) à qual os mais antigos chamavam de “Fontinha ou Passarinhos”10 (a escassos metros da Porta do Vale dos Judeus) exala um cheiro nauseabundo devido a uma fossa ai existente. Na continuação do estreito caminho, uns metros mais à frente, deparamo-nos com o local da Porta e o Vale dos Judeus. No inicio do Vale dos Judeus é possível ver um antigo poço do qual divergem várias minas. Nas várias plantas da antiga “Praça de Abrantes” lá se encontra a “Porta do Vale dos Judeus” e uma área específica, cujo nome aparece como “Obra de Valle de Judêu”
Caminho de acesso “Porta e Vale dos Judeus”
Vale dos Judeus
Vista - Vale dos Judeus
Nunca
antes referenciado como local de judeus, encontra-se o antigo Beco da Gafaria. Situava-se este lugar
junto à entrada principal do Quartel de Artilharia, frente à entrada principal
do Jardim do Castelo, que antes de ser demolido se denominava “Beco das
Barracas do Castelo11. Atualmente é o início da Rua D. Francisco de
Almeida (Parque Radical). Paredes meias com a Rua Nova (sul), apenas separados
por um “quinchoso”=quintal pequeno junto a uma habitação - do latim conclausu -
“lugar fechado”, o antigo Beco da Gafaria, poderá
ter sido um dos prováveis locais “de ensino religioso”, “albergaria” ou
“hospital de Judeus”. No Capitulo VI – Assistência, Culto e Ensino, pg. 351,
“Os Judeus em Portugal no século XV”, Maria José Pimenta Ferro Tavares,
escreve: Albergarias, hospitais e gafarias erguem-se nestas (comunas) para
receberem pobres e doentes, pertencentes ao credo mosaico (ver foto: Beco da "GAFARIA").
Para
o “ensino” e “culto” estava o “rabi” “David Filhiho” (Davi Filhiho), já que
este pertencia à comuna de Abrantes em 144212.
Beco da "GAFARIA"
Negativo de vidro propriedade do autor
A
comunidade judaica de Abrantes, tal como todas as outras foi pesadamente
tributada. Com privilégios reais apenas são conhecidos dois casos: o “físico do
prior do hospital” e um dos quatro “cirurgiões” da comunidade.
Não
esquecendo a contribuição dos judeus de Abrantes para expedições marítimas, Maria
José Pimenta Ferro Tavares, no seu livro OS JUDEUS EM PORTUGAL NO SÉCULO XV –
Volume II, revela-nos o que sabe sobre a comunidade judaica de Abrantes nos
seguintes capítulos: Levantamento populacional; profissões, rendeiros judeus e
seus parceiros; doação dos direitos reais das comunas do reino; rendimento das
comunas de judeus à data da expulsão; valor das tenças concedidas por D. Manuel
em pagamento dos direitos das comunas e criminalidade. Sobre criminalidade dos
judeus em Abrantes apenas é conhecido um caso devido a Abraão d’Abay
(20/3/1486), por requestar uma rapariga cristã da corte. Conduzido à cadeia
Abraão d’Abay fugiu da prisão e refugiou-se em Castela.
Embora haja algumas referências documentais sobre os judeus em Abrantes, o mesmo não acontece com registos arqueológicos/históricos. ABRANTES – NA PISTA DA COMUNIDADE JUDAICA 1383/1493 não faz nem pretende fazer qualquer tipo de investigação. A finalidade deste pequeno artigo é apenas e tão só levantar a questão sobre os prováveis locais de fixação dos judeus em Abrantes, lembrar um povo que fez parte da história local e quem sabe, após um exaustivo estudo arqueológica/histórica, essa mesma história possa vir a integrar o roteiro da “Rede de Judiarias de Portugal”, constituída em Março de 2011.
a) “Obra do Valle do Judêo”; b) “Porta do Valle do Judêo
c) “Valle do Judêo”; d) “Rua Nova”; e) “Beco
da Gafaria”
BIBLIOGRAFIA
1Os Judeus em Portugal no
século XV, Volume II”, “quadro nº 2 –
Profissões.
2AMEC/ISJ/F003/cx.
1/doc. 10.
3Maria José Pimenta Ferro
Tavares, Os Judeus em Portugal no século XV, Volume II, págs. 1/2/3.
4Manuel António Mourato/João Valentim de Fonseca Mota - 3ª
edição revista – Introdução, organização e notas críticas de Eduardo Campos,
páginas 150/151/152.
5Maria José PimentaTavares –
Os Judeus em Portugal no Século XIV, pg. 166.
6 Maria José Pimenta Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal
no século XIV, I. A.C.., Lisboa 1970, p. 23.
7Judeus e Mouros em Portugal
em tempos passados.
8Passou a chamar-se “Rua
Nova” quando a judiaria se limitava a uma só artéria. Registam-se ruas Novas,
por exemplo, em Ponte de Lima – cf. Amélia Aguiar Andrade, ob. cit.,16 – em
Tomar, Abrantes e Torres Novas – cf.
Manuel Sílvio Conde, Uma paisagem humanizada. O Médio Tejo nos finais da Idade
Média, Cascais, 2000, vol. II, 373.
9AMEC, S.
Vicente, Caixa 2 – nº 66.
10Vd. Art. de José Vieira no
Jornal de Alferrarede Nº 250 Agosto 2006, sob o titulo Fontes e Lavadouros de Abrantes.
11Pg. 82 Toponímia Abrantina – Eduardo Campos – 1989.
Cap. Artur
Elias da Costa
(1894-1956)
Artur
Elias da Costa fez carreira militar no Exército Português, entre 1916 a 1946,
atingindo o posto de capitão em 1931. Foi condecorado com a Ordem Militar de
Aviz e Medalha Militar de Prata da Classe de Comportamento Exemplar. Artur
Elias da Costa nasceu no dia 10 de março de 1894 em S. Martinho da Covilhã,
numa família de estirpe puramente judaica. Como escritor, ele publicou “A
Covilhã no Trabalho” (1928), “Os Fundamentos da Ética” (1932) e “O Espirito da
Matemática” (1934). Seu trabalho maior foi o primeiro título, presente nas
melhores bibliografias sobre Portugal e que também lhe trouxe maiores
dissabores, pois ao ser publicado, falando da influência cristã-nova na cidade,
tema ainda considerado tabu, sofreu perseguições que o obrigaram a mudar para Abrantes.
Apesar
de ser coetâneo do capitão Barras Basto e da “Obra do Resgate”, não se filiou à
Sinagoga Kadoorie Mekor Haim (Porto), preferindo praticar a religião
familiarmente. Faleceu em 11 de dezembro de 1956.
Militar
de atividades múltiplas, o Capitão Artur Elias da Costa, além de escritor e ter
colaborado para Monografia do Concelho de Abrantes, com frequência escrevia
para a imprensa abrantina.
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