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HISTÓRIA MILITAR DE ABRANTES (XX)

Por José Manuel d’Oliveira Vieira
Guerra Civil Portuguesa (1832 /1834)
Também é designada de Guerras Liberais, Guerra Miguelista ou a Guerra dos Dois Irmãos.
“Com pesadas consequências, a partir de 1833, as forças Miguelistas começam a desmoralizar, recuar e a desertar”.
No contexto da História Militar
Absolutistas: Militares e civis fiéis à causa de D. Miguel
Liberais: Militares e civis (denominados de rebeldes) fiéis à causa de D. Pedro
*
1833 A Carta Constitucional esteve em vigor durante 3 períodos distintos:
O primeiro foi desde Abril de 1826 (outorga da Carta) até Maio de 1828 (D. Miguel é aclamado rei absolutista).
O segundo período decorreu desde Agosto de 1834 (D. Miguel é expulso de Portugal e é restaurada a Monarquia Constitucional) até Setembro de 1836 (Revolução Setembrista com a restauração provisória da Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822).
O terceiro e último período decorreu desde Janeiro de 1842 (golpe de estado de Costa Cabral) até Outubro de 1910 (implantação da República).
1833
JANEIRO 2: Marechal José da Fonseca Pinto, Governador da Praça de Abrantes é confrontado com a legalidade de uma horta denominada de “Quinta da Nora”, atribuída ao Regimento de Infantaria Nº 20 11.
JANEIRO 12/MARÇO 30: Para fornecimento ao fiel e valoroso Exército de Sua Majestade, Francisco Magalhães Mascarenhas, Doutor Corregedor da Comarca requisita às pessoas da Vila generos e cereais, e os offerece gratuitamente para sustentação do Exército Realista, que tão gloriosamente defende a Sagrada Causa d’El Rei Nosso Senhor.
Nota: É de crer que alguns nomes conhecidos da vida abrantina à época, só fizeram doações ao longo do confronto entre “Liberais e Absolutistas”, para evitar a prisão, serem perseguidos ou deportadosGL.
JANEIRO 17: Tenente Coronel João José Doutel, Comandante do Regimento de Infantaria de Abrantes, agraciado com a condecoração “Cavaleiro da Ordem da Conceição”GL.
FEVEREIRO 8: Para conserto seguem para Santarém 43 armas (9 do Depósito de Abrantes e 34 do Regimento de Milícias de Santarém)11.
FEVEREIRO 9: Depósito de Abrantes empresta ao Depósito de Apresentados 78 armas11.
MARÇO 4: No reconhecimento realizado pela 4ª Brigada, sobre os Montes do Pasteleiro e da Ervilha ocupados pelo inimigo, com o fim de conhecer as posições, e natureza de suas obras, e bem assim sondar as forças que as guarneciam, morreram ou ficaram gravemente feridos os militares do Regimento de Infantaria de AbrantesGL:
1 Major e 4 Soldados
Mortos
1 Capitão
1 Tenente
28 Cabos/Soldados
Feridos graves
5 Anspeçadas/Sold
Feridos leves
1 Major
Contuso
MARÇO 9: Em consequência de moléstia é julgado incapaz do serviço ativo o Capitão Joaquim Pinto Serra do Regimento de Caçadores da Beira Alta ao serviço da Companhia de Veteranos de AbrantesGL.
ABRIL 9: Com destino ao Exercito de Operações contra os Rebeldes no Porto, são enviados desta Praça para a de Coimbra grandes quantidades de “bocas de fogo, e seus reparos, Plamenta, Polvora, Progetis e mais artigos d’Artilharia”11.
Nota: Refere-se este movimento de material de guerra e munições por a Praça de Abrantes ser um ponto estratégico no abastecimento de armas e munições às tropas Miguelistas (ver ABRIL 10/MAIO 21/MAIO 22).
ABRIL 10: Com destino ao Exercito de Operações contra os Rebeldes no Porto, Governo da Praça de Abrantes envia para Coimbra11:   
Pólvora embarricada (arrobas)
200
Granadas de 5 polegadas 7 linhas
400
Espoletas (!) carregadas pª granadas
440
Caixotes para as Espoletas
2
Esteiras para cobrir a polvora
4
MAIO 21: Sob o comando de um Furriel da 1ª Companhia de Realistas de Abrantes e por ordem do Governador desta Praça, segue para Coimbra com destino ao Exercito de Operações11:
Balas de calibre 18
718
Granadas de mão
800
Espoletas
2000
Caixotes em que vão as granadas
2
Lanternetas de Calibre 18
102
Chaleiras
2
Caixotes p/balas e lanternetas
37
MAIO 22: Governo da Praça de Abrantes remete para Coimbra 19 carros de munições, para seguirem ás Batarias de
Pozição sobre o Douro*. Fazem a escolta: um Oficial, um Sargento, um Cabo e quinze Soldados11.
*Por extensa não se publica relação.
JUNHO 23: Por serem considerados réus políticos, são condenados os Soldados Domingos Pinto e Luis Monteiro, ambos do Regimento de Infantaria de Abrantes11.
JUNHO 25: Ao ter conhecimento do ataque a Tomar, o Juiz de Fora de Abrantes, Manuel Pereira de Lucena Noronha Faro Cotta Falcão, comunica ao Intendente Geral da Policia, Joaquim Gomes da Silva Belforte, que os exploradores enviados às cinco horas da manhã do dia do ataque (24 de Junho) a Tomar, não conseguiram chegar ao local da sublevação1.
JUNHO 25/26/27: Para aniquilar hum bando de Contrabandistas, pela maior parte Hespanhoes, e outros ladrões de estrada, comandados por hum certo D. Manuel Hespanhol (D. Manuel Martinini)*, residente em Punhete, Governador de Abrantes mandou logo marchar 300 homens para os aniquilar (Anexo 1 – D. MANUEL MARTININI – A HISTÓRIA - O QUE OUTROS ESCREVERAM).
*Antes de entrar em Tomar (24 de junho), o Liberal D. Manuel Martinini reuniu os amigos na “Quinta do Seixal” próximo a Punhete=Constância(todas as tentativas para localizar a “Quinta do Seixal” foram infrutíferas).  A acão de D. Manuel Martinini foi concertada e fez parte de um dos mais engenhosos planos de guerra, com o fim de distrair as tropas Miguelistas a Sul (Lisboa), para facilitar os movimentos das tropas liberais a Norte (Porto).
Nota: Além do que foi escrito à época nas Gazetas, podemos ler o relatório com 16 páginas que D. Manoel Martinini escreveu sobre os factos aquando da sua a sua retirada para Espanha (ver AHM: HM-DIV-1-19-034-29)
Anexo 1
D. MANUEL MARTININI – A HISTÓRIA
Num período em que “Realistas” e “Malhados” se guerreavam com cega violência, revoltas militares mantinham o país num estado de guerra permanente, guerrilheiros organizados e comandados por D. Manuel Martinini saem da Vila de Punhete (Constância) e atacam Tomar na noite de 24 para 25 de junho de 1833.
Ao ter conhecimento do ataque a Tomar, o Juiz de Fora de Abrantes, Manuel Pereira de Lucena Noronha Faro Cotta Falcão, comunica ao Intendente Geral da Policia, Belforte, que os exploradores enviados às cinco horas da manhã do dia do ataque a Tomar não conseguiram chegar ao local da sublevação (1).
Apesar das notícias chegarem confusas, as autoridades realistas de Abrantes providenciam a imediata perseguição à guerrilha do Espanhol Martinini, com a mobilização das forças do Batalhão Açoriano estacionado na Vila de Abrantes.
A 28 de Junho o Governador Militar de Coimbra comunica a Filipe Nery Gorjão que um homem do Contracto do Tabaco o informa que a Guarnição de Abrantes que escoltava uma porção de dinheiro o salvou da guerrilha e no dia 27 chegou à Vila de Tomar uma força de Infantaria e Artilharia de Abrantes (2).
No dia 1 de julho o Duque do Cadaval é informado que os rebeldes liberais a ultrapassar o Tejo não seria em número superior a 140 (3). A 4 de Julho o Governador das Armas do Alentejo avisa o Duque do Cadaval de constar: […] ter entrado huma força de oitocentos homens em Abrantes, comandada por hum Fulano Feio, e posto em fuga o Governador com a tropa […]. No mesmo comunicado o Governador das Armas do Alentejo solicita ao Duque do Cadaval: […] Segundo a direcção que levam os Rebeldes de que trato, parecia-me muito acertado para a sua destruição que shaisse huma força d’Abrantes […] (4). Em 5 de Julho, o Governador do Alentejo informa o Duque do Cadaval ir […] escrever ao Governador d’ Abrantes para dirigir alguma força d’Infantaria d’aquella Guarnição sobre a Ponte de Sor […] (5).
Na falta de documentos que precisem o número de prisioneiro Liberais nas cadeias Miguelistas em Abrantes e o destino atroz que tiveram alguns, extrai dos apontamentos do “Caderno do Coronel Valente: […] um pouco além do Chafariz existe uma pequena elevação denominada Outeiro da Forca. Nela existiu em tempos idos a Forca destinada à execução dos condenados à morte, quando tal pena, desaparecida, salvo erro no reinado de D. Pedro V, ainda existia na legislação. Serviu ela também durante a luta política entre D. Pedro e D. Miguel e nela foram enforcados alguns liberais […] Acerca do local onde existiu a Forca na Vila de Abrantes o Coronel Valente diz ainda: […] Não sabemos se no Outeiro da Forca foi construído algum bairro ou algum edifício e no caso afirmativa seria bom que não desaparecesse de lá a recordação do facto, que está ligado à história […] (fig.1/2).
 fig. 1 – Abrantes – Cabeço da Forca – Mapa ano 1819
fig. 2 - Abrantes – Outeiro (Cabeço) da Forca – Foto ano 1952
Os três cabeços: da Forca, do Cabacinho e S. Pedro sempre foram pontos estratégicos para as guarnições militares de Abrantes controlarem a margem direita do Tejo. Além do Regimento de Infantaria Nº 23 e do Destacamento Realista de Abrantes existia ainda em Abrantes um grande Hospital Militar. Aboletados nesta Vila, encontravam-se ainda em 1833: um Grupo de Artilharia o Batalhão Açoriano e militares espanhóis que acompanhavam o Infante D. Carlos, irmão do rei de Espanha.     
Manuscrita em Abrantes e com a data de 15 de dezembro de 1833, encontrei uma relação com duas páginas que nos dizem ter estado na Vila de Abrantes 37 militares ingleses do “Rgtº Royal Britisk Granadiers”. Prestando serviço à causa Miguelista! Desertores! Prisioneiros, doentes hospitalizados a aguardar transporte para Inglaterra. Para outro tipo de investigação que não para este artigo, se publica (Ver DEZEMBRO 15), os dois documentos com o nome dos militares ingleses e a retribuição em “libras” que alguns receberam.
De tal importância estratégica/militar/logística era a Vila de Abrantes, que respondendo a um ofício de Filipe Nery Gorjão de 27 de Julho de 1833, o Coronel Maggessi, um dos mais notáveis chefes militares realistas dirá: […] A evacuação d’Abrantes, he hum golpe mortal a esta Provincia e a do Alem Tejo: no momento em que se verificar a evacuação desanimam todos os Povos da margem direita e esquerda do Tejo, e como são defendidos por Atiradores d’Ordenanças nenhum mais pega em Espingarda e teremos que nos retirarmos todos a obrigarmo-nos nesse Exército, porque a lavra revolucionária voará com a rapidez do raio […] Temos perdido tanta coisa grande que muito he que se arrisquem os pequenos efeito, que contem a Praça d’Abrantes para conservar o entusiasmo de duas Provincias que ainda se acham dispostas à defensa! Cujo entusiasmo acabará no momento em que se verificar a evacuação da Praça d’Abrantes, e cada hum tratará de se esconder […]A evacuação d’Abrantes he de suma dificuldade; primeiro: porque não he possível arranjar transportes necessários porque as terras que os podiam dar estão sublevadas, e ainda que não estivessem, he muito difícil encontrar carros, capazes de suportar o peso da Artilharia, e como a marcha deste Conboy deve ser muito lenta e vagarosa, há-de constar com muita antecipação que se requisitam 300, ou 400 caros para o fazer[…] inda que vá acompanhado por toda a Guarnição d’Abrantes, que he insignificante […]Não contem com Ordenanças para marchas grandes, porque empregadas em grandes distancias das suas Provincias porque esmorecem e desertam[…]Os Açorianos que estão em Abrantes precisam que se lhes mande hum Official capaz para os comandar porque o actual Commandante não presta por velho, e doente, tendo sido Secretario de hum Corpo d’Infantaria e depois do Corpo d’Engenheiros[…]
Por ordem de Sua Majestade de 2 de agosto de 1833, a evacuação da Praça de Abrantes não se fez e vieram para esta Vila 500 homens do Duque de Cadaval (6).
Dos combatentes Liberais de 1833, D. Manuel Martinini é sem dúvida a mais destacada figura militar. Coronel do Exército Espanhol, Martinini fixou-se na Vila de Punhete (Constância) por volta de 1812. Nesta Vila estabeleceu uma fábrica de destilação, dedicou ao comércio e casou com a filha de um abastado lavrador de nome Carqueija.
Após o triunfo do Liberalismo (1834) D. Manuel Martini faz em 13 de agosto de 1834 um extenso relatório sobre os acontecimentos de Tomar. Pela importância histórica/militar para a Vila de Abrantes transcrevem-se as partes que interessam: […] Minha caza, meus Bens foram durante o tempo da Uzurpação o azilo dos perseguidos, o amparo dos necessitados[…]na malograda empresa do infeliz Brigadeiro Moreira tinha eu aliciado 900 Soldados que estavam na Esperança de Abrantes[…]e com authorização competente com uma pequena porção de valentes entrei em Thomar, na noite de 24 de Junho de 1833. Dei o grito da Liberdade, aclamei o Governo Legitimo, fiz nomear outras Authoridades, soltei os prezos políticos, desarmei a Guerrilha do Corregedor, e hum forte Destacamento Realista de Abrantes […] marchei para a Barquinha; ao passar destrui o Thelegrafo da Atalaia; na madrugada de 26 aprizionei hum barco que de Lisboa hia para Abrantes com 500 Fardamentos completos, armamento, correame, cinco cornetas, e 20 praças da sua escolta; ás onze do mesmo dia aprisionei 80 entre ordenanças e soldados que escoltavam de 300, a 400 recrutas para Lisboa; ás 3 da tarde rompeo o fogo o piquete de observação que tinha postado sobre o Zézere, e fizeram recuar para a Villa de Punhete 300 Açorianos que com duas peças de Calibre trez tinham shaido de Abrantes com ânnimo de me perseguir (7).
Não podendo resistir aos vários Regimentos da coluna móvel e Realistas de Santarém a que se juntaram os 300 militares Açorianos da Guarnição de Abrantes, Martinini embrenha-se pelo Alentejo a 30 de junho de 1833.
Depois do triunfo militar sobre o exército miguelista (1834), em julho de 1835 D. Manuel Martinini é reformado no posto de Coronel do Exército português sendo-lhe posteriormente atribuído o cargo de Caserneiro dos quartéis da Praça de Abrantes, adido ao 1º Batalhão de Veteranos de Abrantes. No Arquivo “Eduardo Campos” da Câmara Municipal de Abrantes, no livro “Receitas e Despesas”, encontramos como sepultados no cemitério do Cabacinho em Abrantes: D. Manuel Martinini, grande figura de relevo como combatente liberal e homem de cultura*, no dia 8 de dezembro de 1857 e a esposa Dª Emília de Sousa Falcão, no dia 19 de dezembro de 1860.
*Como homem de cultura que era, anos mais tarde, Martinini, preparou uma memória para a canalização do Rio Tejo. O projeto “Sobre a Canalização do rio Tejo”, Abrantes/Valladas e Abrantes/Vila Velha foi apresentado a “S.M.I. o Duque de Bragança Regente em nome da Rainha D. Maria Segunda” e terá estado na origem das cortes gerais que decretarem a lei de 9 de julho de 1849, com o detalhe dos trabalhos a realizar no Rio Tejo. Toda a história sobre os trabalhos de D. Manoel Martinini no “COISASD’ABRANTES”, HISTÓRIA MILITAR DE ABRANTES (VIII), mês de setembro 2017.
Notícias publicadas nos dois órgãos dos partidos em luta (1833):”Chronica Constitucional do Porto – Liberal” e a “Gazeta de Lisboa – Realista” (SUPLEMENTO AO Nº 152 DA GAZETA DE LISBOA – SABADO 29 DE JUNHO- ANO 1833; GAZETA DE LISBOA – Nº 170  - SABADO 20 DE JULHO – ANO 1833 e GAZETA DE LISBOA – Nº 171 – SEGUNDA FEIRA 22 DE JULHO – ANO 1833), cada um à sua maneira descreve com algum exagero e fantasia as suas histórias de acordo com a conveniência politica:
 
 
JUNHO 27: Conde de Barbacena refere a Nicolau Abreu Castelo Branco, constar a El Rey Nosso Senhor (D. Miguel) que o Batalhão de Aprezentados Açoreanos de Guarnição na Praça de Abrantes se revolucuionara…
JUNHO 28: Governador Militar de Coimbra informa Filipe Neri de Gorjão. … a guarnição d´Abrantes/segundo m’acaba de contar hum homem do Contracto do Tabaco/qu’ia acompanhar huma porção de dinheiro àquela Villa, e que pôde salvar/não entrou na revolução, antes diz, que lhe disseram chegaram hontem (27 junho) à mesma Villa de Thomar alguma Artilharia, e Infantaria sahida d’Abrantes, contra os rebeldes.
JULHO 4: Governador das Armas do Alentejo avisa o Duque do Cadaval de “constarter entrado huma força de oitocentos homens em Abrantes, comandada por hum Fulano Feio, e posto em fuga o Governador com a tropa. No mesmo comunicado o Governador das Armas do Alentejo acha que deve sair uma força d’Abrantes para destruição dos rebeldes.
JULHO 6: Para combater os rebeldes, Augusto Pinto de Morais Sarmento, Governador do Alentejo solicita ao Governador d’ Abrantes para dirigir alguma força d’Infantaria d’aquella Guarnição sobre a Ponte de Sor.
JULHO 25: Por determinação de S.M.I. o Duque de Bragança, Comandante em Chefe do Exercito Libertador, manda promover e designa para Governador da Praça de Abrantes o Coronel Manoel de Souza Raivoso.

JULHO 31: Governador da Província da Beira Baixa António Tavares Maggessi para Fellipe Neri Gorjão sobre a Evacuação da Praça de Abrantes.  (Anexo 2).
 
Anexo 2
Ilmo Snr
Accuzo a recepção do Officio de V. Exª datado de 27 do prezente mez, que trata da evacuação da Praça d’Abrantes.
A minha fidelidade a El Rey Nosso Senhor o amor, que tenho á sua Real Pessoa, e ao seu Reinado não me permitem que eu fique em silencio a respeito de tal medida.
A evacuação d’Abrantes, he um golpe mortal nesta Provincia e á do Alem Tejo: no momento, em que se verificar a evacuação desanimarão todos os Povos da margem direita, e esquerda do Tejo, e como são defendidos por Atiradores d’Ordenanças nenhum mais pegara em espingarda, e termos que nos retirarmos todos a abrigarmenos nesse Exercito, porque a lavra revolucionaria voará com a rapidez do raio, e os Povos inermes, e consternados não aporá nenhuma resistência, persuadidos que não he possível resistir, e que os Chefes os desamparão, e afinal dirão que os Generaes forão traidores, e terão que ser sacrificados á brutalidade dos Povos.
Temos perdido tanta coiza grande. Que muito he que se arrisquem os pequenos efeitos, que contem a Praça d’Abrantes, para conservar o entusiasmo de duas Provincias, que ainda se achão dispostas á deffensa! Cujo entusiasmo acabará no momento, que se virificar  a evacuação da Praça d’Abrantes, e cada hum tratará de se esconder. O que me parecia mais acertado era que o ExDuque do Cadaval, destacasse dois Esquadroens de Cavallaria para virem á Borda d’agoa sa… todos os Liberáes, que tem feito aclamar a Constituição em Santarem, Golegã, e outros povozinhos da margem direita do Tejo, porque ali não tem havido senão guerrilhas, mas se as deixarem hir engrossando, e tiverem a certeza de que nós nos não defendemos em parte nenhuma entrarão por todo o Reino a passear como por sua caza e os Povos desanimados …, será dificultoso tornalos a entusiasmar como tem estado, e estão os desta Provincia; Conservemos ao menos a força moral porque o Exercito que os rebeldes tem em Lisboa não he suficiente para se dissiminar, senão com a certeza de que ninguém nas Provincias se lhes opõem. O Exercito do Ex Duque do Cadaval pode-se collcar de maneira, que contenha a Guarnição de Lisboa em respeito, sem que se atrevão a sahir dali sem correrem o grande risco de serem feitos em postas.
Se El Rey Nosso Senhor me mandar estranhar a confiança, que tomo de lhe dar planos, receberei a repreensão com o joelho em terra, e a boca no chão mas não quero que me toque o remorso de que eu não manifestei ao meu El Rey e Legitimo Senhôr a minha opinião em objecto de tanta importância.
A evacuação d’Abrantes he de summa dificuldade; primeiro: porque não he possível os transportes necessários, porque as terras, que nos poderão dar estão sublevadas, e ainda que não estivessem he muito difícil encontrar carros, capazes de suportar o pezo da Artilharia; e como a marcha deste Comboy deve ser muito lento, e vagaroso, e hade constar com muita antecipação que se requizitão 300, ou 400 carros para a fazer tem tempo todas as Guerrilhas da Borda d’agoa, para se reunirem, mesmo para fazerem sahir alguma tropa de Lisboa para atrasarem o Comboy, e levalos, ainda que vá acompanhado por toda a Guarnição d’Abrantes, que he muito insignificante.
Não contem com Ordenanças para marchas grandes, porque empregadas em grandes distancias das suas Provincias, porque esmorecem, e desertão.
Rogo que com a maior prontidão faça presente a El Rey Nosso Senhor, o que levo exposto neste Officio, para que o Mesmo Augusto Senhor Delibere o que for do seu Real Agrado, esperando eu huma prompta resposta, em todo o cazo he muito preciso que o Ex Duque do Cadaval mande fazer huma Correria pela Borda d’agoa, porque he bastante para dispersar todas as Guerrilhas, e ja levam muito  tempo para se tornarem  a reunir o que não succederá … depois se os deixarem engrossar.
Os Açorianos que estão em Abrantes precisão que se lhes mande logo hum Official capaz para os comandar porque o actual Commandante não presta por velho, e doente, tendo sido Secretario de hum Corpo d’Infanteria, e depois do Corpo d’Engenheiros.
Deos Guarde a V. – Quartel General Castello Branco 31 de Julho de 1833
AGOSTO 2: Por ordem de Sua Majestade de 2 de Agosto a evacuação de Abrantes não se faz e vieram para esta Vila 500 militares do Duque de Cadaval.
-A Irmandade dos Passos de S. João pagou à tropa que acompanhou a Procissão dos Passos com guarda de honra 2.400 réis.
SETEMBRO 11: Com acampamento no sítio de Campo Grande (Lisboa), Comandante do Regimento de Infantaria de Abrantes, António José Doutel solicita a Filipe Neri Gorjão o pagamento de soldos para os seus oficiais referentes ao mês de Maio11. Em 25 do mesmo mês, Conde de S. Lourenço informa Filippe Neri Gorjão: …que esperem os Suppliantes pelas providencias, que a semelhante respeito promtamente se vão tomar11.
SETEMBRO 17: A acompanhar o tesouro da Coroa e as Infantas D. Isabel Maria e D. Maria da Assunção, estiveram em Abrantes o visconde de Santarém e o intendente da polícia Belfort, guardiães do tesouro da coroa. Belfort ficou alojado na casa do Capitão-mor Manuel Joaquim Pimenta. O Tesouro da coroa foi transportado para esta Vila por 80 juntas de bois. Na retirada do tesouro da Coroa para Elvas (outubro), Infanta D. Isabel Maria é acompanhada pelo General Póvoas que se encontrava deportado em Abrantes (7).
 Casa Capitão-mor Manuel Joaquim Pimenta
General Póvoas
SETEMBRO 18: Uma forte escolta conduz a quantia de dezasseis contos de reis, da Pagadoria de Penafiel para a Praça de Abrantes11.
SETEMBRO 25: Carros conduzindo chumbo para reduzir a balas são enviados de Lisboa para a Praça de Abrantes que está fazendo cartuchame para o exército11.
OUTUBRO 1: À data da morte de seu irmão, rei Fernando VII (29 de Setembro de 1833), em rutura com a família real, encontrava-se em Abrantes D. Carlos Maria Isidro, pretendente à Coroa de Espanha. Contando com o apoio de seu primo o rei D. Miguel I, D. Carlos Isidro, acompanhado de tropas espanholas, proclama na Praça de Abrantes* o “Manifesto de Abrantes(Anexo 3).
*Em abril de 1834, acompanhado por uma força de Infantaria e Cavalaria Espanhola estará em Abrantes pela segunda vez.
 D. Carlos Maria Isidro (8)
D. Carlos Isidro – D. Maria Francisca
D. Carlos Maria Isidro Benito de Bourbon foi o pretendente ao trono de Espanha que esteve na origem das guerras carlistas que dilaceraram aquele país durante boa parte do século XIX. O Infante de Espanha, D. Carlos Isidro era filho de Maria Luísa de Parma e de Carlos IV e irmão de Fernando VII, rei de Espanha. Em 1816 casa com a Infanta de Portugal D. Maria Francisca de Bragança e em 1838, após enviuvar casa com a irmã desta a Infanta D. Maria Teresa de Bragança, a Princesa da Beira, ambas sobrinhas maternas e filhas do rei D. João VI de Portugal.
Naquela proclamação, apesar de afirmar não cobiçar o trono espanhol, declara ter o dever de pugnar por ele, para os seus filhos, em nome da legitimidade da sucessão, do seu ponto de vista ilegalmente alterada. Termina apelando à paz e concórdia, o que não sucederia, já que o incidente está na base de uma longa discórdia e das Guerras Carlistas que afetaram a Espanha por mais de um século:
Anexo 3
MANIFIESTO DE ABRANTES (1833)
 “No ambiciono el trono; estoy lejos de codiciar bienes caducos; pero la religión, la observancia y cumplimiento de la ley fundamental de sucesión y la singular obligación de defender los derechos imprescriptibles de mis hijos y todos los amados consanguíneos, me esfuerzan a sostener y defender la corona de España del violento despojo que de ella me ha causado una sanción tan ilegal como destructora de la ley que legítimamente y sin alteración debe ser perpetuada. Desde el fatal instante en que murió mi caro hermano (que santa gloria haya), creí se habrían dictado en mi defensa las providencias oportunas para mi reconocimiento; y si hasta aquel momento habría sido traidor el que lo hubiese intentado, ahora será el que no jure mis banderas, a los cuales, especialmente a los generales, gobernadores y demás autoridades civiles y militares, haré los debidos cargos, cuando la misericordia de Dios, si así conviene, me lleve al seno de mi amada patria, y a la cabeza de los que me sean fieles. Encargo encarecidamente la unión, la paz y la perfecta caridad. No padezca yo el sentimiento de que los católicos españoles que me aman, maten, injurien, roben ni cometan el más mínimo exceso. El orden es el primer efecto de la justicia; el premio al bueno y sus sacrificios, y el castigo al malo y sus inicuos secuaces es para Dios y para la ley, y de esta suerte cumplen lo que repetidas veces he ordenado. Abrantes, 1 de octubre de 1833. Carlos María Isidro de Borbón”.
OUTUBRO 7: … quatro Peças de Artilharia, e sette Carros com muniçoens de guerra, sendo ao todo empregados neste serviço trinta a huma juntas de bois, saem de Coimbra para a Praça de Abrantes11.
OUTUBRO 11: O Conde Laroche Jaquelin exerce o cargo de governador militar da praça.
NOVEMBRO 17: O marechal de campo José da Fonseca Pinto exerce o cargo de governador militar da praça de Abrantes.
NOVEMBRO 23: Com destino à Praça de Abrantes, militares do Regimento de Milícias de Coimbra escoltam 52 carros com munições e outros equipamentos11.
NOVEMBRO 27: Para a factura de cartuxame é enviado da Praça de Santarém para o Trem de Abrantes Papel cartuxinho11.
NOVEMBRO 28: Com o paiol carregado de munições de artilharia calibre 3 e 6, a Praça de Abrantes é referida a João Galvão Mexia de Sousa Mascarenhas como uma importante posição militar para a causa miguelista11.
-Por andarem com as jaquetas e calças rotas, são entregues às praças do Regimento de Infantaria de Abrantes, 114 panos de mescla11.
NOVEMBRO 29: Marechal de Campo, Governador da Praça de Abrantes, José da Fonseca Pinto, solicita e é aprovado o pagamento de soldo e ração diária de pão e carne para os prisioneiros que andam empregados nas obras de Fortificação desta Praça11.
DEZEMBRO 7: Armamento e equipamentos hospitalares são remetidos de Coimbra para esta Praça em quatro carros.
DEZEMBRO 10/11: Governador Militar de Coimbra faz marchar para esta Praça grande quantidade de munições, barris de pólvora, caixas de granadas, cunhetes com lanternetas, cunhetes de balas calibre 6 e 18. No dia 11 remete nova quantidade de munições e material de guerra, via Rabaçal, Alvaiázere, Punhete, que chega a Abrantes no dia 1511.
DEZEMBRO 15: Do “Rgtº Royal Britisk Granadiers”, ficam em Abrantes 37 militares ingleses, doentes hospitalizados, a aguardar transporte para Inglaterra11:
 
“Rgtº Royal Britisk Granadiers”11
DEZEMBRO 20: Corregedor com alçada da Comarca do Crato manda entregar na Praça de Abrantes os artigosprocedidos de sequestros feitos ao reo politico, Joze Caldeira Manço da Vila da Sertã.
Nota: Artigos sequestrados pelo Governador da Praça de Abrantes, José da Fonseca Pinto, dão entrada no Trem de Santarém dia 3 de Janeiro de 183411. 
DEZEMBRO 22: Para acomodar o 2º Batalhão do Regimento de Infantaria de Elvas na Praça de Abrantes, faltam camas, ou esteiras, e mantas e mais utencilios precizos a hum Quartel Militar. Sem terem rancho, militares apenas tem recebido pão11.
DEZEMBRO 27: Para serem fundidas em projéteis de guerra destinados à Praça de Abrantes, El Rey Nosso Senhor (D. Miguel), determina que sejam remetidas para as Reais Ferrarias da Foz de Alge peças* de ferro inúteis (ver ano 1834: JANEIRO 4, FEVEREIRO 23, MARÇO 1/4/15/28).
*Refere-se a “peças de artilharia” danificadas/encravadas ou inúteis.
DEZEMBRO (!): Com “tifo”, vindos de Santarém, um grande número de militares parte deles partidários de D. Miguel entram no Hospital Militar do Convento de S. Domingos. O surto epidémico faz mais de 3.000 mortos e 200 moradores desta Praça foram vítimas do flagelo9.
11 AHM.
1/2/3/74/5/6 As Guerras Liberais em Portalegre” (Junho/Julho de 1833) – Ventura, António – Assembleia Distrital de Portalegre.
7/9 Memória Histórica da Notável Vila de Abrantes.
8 Carlos de Bourbon, Conde d Molina em wikipedia.org/wiki/.