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HISTÓRIA MILITAR DE ABRANTES (V)

Por José Manuel d’Oliveira Vieira
1810
-Cartografia da Vila de Abrantes: Planta das fortificações de Abrantes (AHM).
JANEIRO 5: Wellington continua a exige se faça um correio diário entre a Praça de Elvas e a de Abrantes e o correio, que diariamente deve proceder, se dirija da referida Villa de Abrantes pella Cidade de Coimbra, e desta para aquelle ponto em que se achar o meu Quartel General  – Assina: Wellington. 11
JANEIRO 11: Na desconfiança de o inimigo se aproximar demasiado, Manuel de Sousa Ramos mandará retirar as barcas do Tejo. Quanto à barca que pertence ao Pego, Manuel de Souza Ramos refere a Forjaz de Almeida que a mesma se consertou à custa da Fazenda Real; se S.A.R. a quizer mandar restituir o pode fazer perdendo a despeza, que se fez com ella, e tornando-se outra embarcação para o lugar que ella esta ocupando: he de advertir que a passagem do Pego não merece tanta comtemplação, huma vez que está estabelecida a ponte de Abrantes, cuja distancia he menos de legoa e se acha estabelecida a de Bandos, huma legoa acima do Pego, por onde se servem os Povos de Alvega ao Sul do Tejo, e os do Sardoal, e Mouriscas ao Norte.11 
FEVEREIRO 3: Manuel de Sousa Ramos envia a D. Miguel Pereira Forjaz “Mapa mensal das obras e fortificações” e no mesmo ofício informa ter dado cumprimento à ordem de S.A.R. e entregue ao proprietário José Gomes Pires a passagem do Pego e Bando enquanto as circunstâncias não exigirem maiores cautelas de forma a não privar o mesmo do direito e rendimentos.
AHM/DIV/1/14/096/80 
Nota: No fragmento do texto original que publicamos pode-se ver o impressionante número de operários (mais de 1.000) que estariam a trabalhar nas obras de fortificação da Praça de Abrantes.
FEVEREIRO 7: Para que o serviço se faça com maior regularidade, Marechal Beresford, ordena que barcos do Tejo – os de Vila Velha inclusive de ambas as margens até Golegã ficam debaixo do comando do oficial governador de Abrantes, para o qual se nomeará o juiz de fora da Golegã23. 
-Bem provido de roupas e medicamentos estabelece-se um Hospital Militar no Convento de S. Domingos. A direcção do hospital foi confiada ao médico Diogo José Sequeira.
-Tenente general Hill comandava um corpo do exército estacionado em Abrantes16. 


Tenente General Hill
FEVEREIRO 18: Por aviso determina-se que se paguem as 13 casas, avaliadas em 900#000 reis, que se mandaram demolir por ordem do Marechal Beresford e que causavam embaraço à defesa da Praça de Abrantes11.
FEVEREIRO 28: Manuel de Sousa Ramos, Governador da Praça de Abrantes, tendo necessidade de quem lhe escrevesse, tanto em Português como em Francês e para se poder entender com os oficiais Ingleses, emprega o sobrinho Domingos Vicente Antunes de Sousa Ramos, como secretário, sem receber ordenado e solicita a D. Miguel Pereira Forjaz emprego para o mesmo, no Erário, ou na Tezouraria das Tropas, ou na Contadoria do Terreiro, ou na da Mizericórdia, ou em qualquer outra repartição da Fazenda” 11. 
MARÇO 1: População doa para a causa pública, barcos e madeiras para as pontes militares e fortificações da Vila de Abrantes11:
  • Francisco Xavier Mendonça (Vila Sardoal), cento e três pinheiros – 487#000, três pipas de vinho para as ordenanças que trabalham nos redutos de S. Domingos – 72#000.
  • José Pedro de Avelar Salgado (Vila de Abrantes), trinta e um pinheiros – 67#200.
  • Manuel Constâncio, Cirurgião da Câmara de Nossa Majestade, cinquenta pinheiros – 20#000.
  • João Marques Ferreira Anes de Oliveira, Cap. Mor agregado às Ordenanças de Abrantes, um batel – 24#00.
  • Manuel Marques da Vila de Tancos – um batel – 38#400.
  • Mariantes da Vila de Tancos – quatro bateiras – 388#400.
  •  Mariantes de Alhandra – duas bateiras – 96#000.
Dr Manuel Constâncio
-Casas e pardieiros que foi necessário demolirem para continuar com as fortificações da Vila de Abrantes:
  • D. Ana Joaquina de Sousa
  • Herdeiros de Luís Calabaça
  • José Mendes
  • José Delgado (duas casas)
  • Álvaro de Azevedo Pereira Galafe
  • Ana Luísa
  • Ignácio Almocreve (duas casas)
  • António Caldeira
  •  João Rito
  • João Romão11.
      Nota:Todas as casas e pardieiros foram avaliados em 778#000.
MARÇO 5/6/7/8/9/10: Grande temporal de vento e grandes cheias forçam as barcas da ponte contra a corrente e rebentam 3 das 9 amarras e quebram a ponte. Foi a ponte restabelecida em 3 horas. A passagem da tropa e povo de uma para outra margem são asseguradas com barcos volantes. Caudal do Tejo volta à normalidade no dia 10.11
MARÇO 12:Através de uma participação escrita, Manuel de Souza Ramos informa D. Miguel Pereia Forjaz: A ponte de Abrantes continua a ter os seus exercícios, as barcas não tiveram prejuízo algum… as muralhas da Fortificação, que dirige o Capitão Patton também receberão algum prejuízo, caindo-lhes alguns bocados…dou (Manuel de Souza Ramos) parte a V. Exª que fui notificado por hum officio do Juiz de Fora desta Villa para entregar o meu cavallo, e eu, suposto considerar-me ser de hum corpo pertencente ao Estado Maior do Exercito, o teria já entregado se estando a pé eu pudesse satisfazer às minhas obrigações em huma diligencia, que abrange 12 legoas… 11  
ABRIL 2 a MAIO 22: Na presença do marechal José Lopes de Sousa, governador da Vila, no campo da Chainça são feitas experiências com 8 obuses que guarnecem a Praça de Abrantes11. 
-D. Miguel Pereira Forjaz, secretário do Estado dos Negócios da Guerra, chama a atenção a Francisco António Ciera, director dos telégrafos sobre a demora da instalação do telégrafo em Abrantes11. 
MAIO 2: Manuel de Souza Ramos informa D. Miguel Pereira Forjaz de que o enganaram de apenas ter feito obras no Quartel de Abrantes: O que houve sim, foram obras no “Quartel da Legião”, porquanto, tendo os Inglezes queimado portas e janelas. Eu fis com que ellas fossem restabelecidas, tendo-me queixado ao Major General Lughtburne, cujas obras mandou fazer pelos Artífices da sua Brigada, e depois foi acabada pelo Comissário Geral Britânico Aylmer que mandou também consertar os telhados que estavam arruinados11
Maio 2: Era Governador da Praça e Marechal de Campo José Lopes de Sousa. 
MAIO 13: Continuadas chuvas impedem a procura debaixo de água de ferros das embarcações da ponte militar11
JUNHO 10: Para armar, municiar e quipar 972 praças recrutas aquartelados na Vila de Abrantes, Manuel Campos, Coronel Chefe do Depósito de Recrutas de Abrantes solicitou ao arsenal:
  •  972 espingardas
  • 972 baionetas
  • 972varetas de ferro
  • 972 martelinhos
  • 972 bandoleiras de espingarda
  •  972 patronas com respectiva cartucheira e bandoleiras
  • 972 boldriés para baionetas
  • 972 barretinas.
  • 972 pares de meias
  • 927 gravatas11
JUNHO 15:Marechal José Lopes de Sousa solicita ordem a Manuel de Brito Mouzinho para que os vencimento sejam pagos á Companhia de Artilheiros e Ordenanças organizados na Vila de Abrantes11
JUNHO 18: Manuel de Sousa Ramos, chama o Oficial Engenheiro encarregado do Thelegrafo, e axaminando as medidas das madeiras necessarias as fez logo opromptar do Depozito  pertencente as Pontes, e mandando ao mesmo tempo pedir ao Governador carros para serem transportadas do dito Depozito para o Castelo, a onde he colocado o dito Thelegrafo….
Nota: Trabalhando de dia e noite, mestre da ponte e carpinteiros derem inicio à obra. Para assentamento do thelegrafo foi necessário assoalhar e colocar vigamentos grossos e formar escadas na torre do Castelo11. 
Plano do Telégrafo de Ciera (medidas em “palmos”)
Cálculo dimensão das palhetas
JUNHO 21: D Miguel Pereira Forjaz é informado de que o Thelegrafo de Abrantes está pronto a funcionar 11. (ver Anexo A)
JUNHO 23/24: A partir de Abrantes marechal de campo José Lopes de Sousa dá conta a D. Miguel Pereira Forjaz sobre a obra da colocação do telégrafo da Barquinha. 
JULHO 18: Duque de Wellington envia carta do general James Leith a D. Miguel Pereira Forjaz, para informar os governadores do Reino sobre a deficiência de géneros nas tropas de Abrantes (não recebem pão mas sim arroz em seu lugar)11. 
 
General James Leith
JULHO 23: Marechal de Campo José Lopes de Sousa informa o ministro da Guerra D. Miguel Pereira Forjaz de ter recebido quatro exemplares do “Plano” para arranjo das barcas do Tejo. 
AGOSTO 12: Batalha contra os Franceses junto de Abrantes19
AGOSTO 14: Ministro da Guerra D. Miguel Pereira Forjaz, recebe carta do juiz vereador de Abrantes, André Moura Castanho informando que as Freiras Franciscanas e Matriz Colegiada, foram mandadas para o Convento de Santa Clara de Santarém e a Igreja de S. Pedro Novo se despejou de apetrechos militares. 
AGOSTO 31: Marechal Beresford queixa-se a Duque de Wellington e este envia carta a D. Miguel Pereira forjaz sobre a falta de viveres em Abrantes e da dificuldade do fornecimento dos mesmos ao exército. No mesmo ofício é dito que, devido ao estado das tropas se o inimigo tivesse avançado naquele período, teriam um excelente depósito de munições11
-3ª Invasão: Em fins de 1809 Wellington organizou um corpo intermédio que se dirigiu de Castelo Branco sobre Abrantes. As tropas foram dispostas nas praças de Almeida, Abrantes, Elvas e nas linhas de Torres Vedras.
-Foi estabelecido um depósito de abastecimentos em Abrantes.
-Lançaram-se pontes volantes sobre o Tejo em Abrantes e Rodão8
SETEMBRO 27: Correspondência do Marechal de Campo José Lopes de Sousa (Agosto/Setembro) com informações sobre a guarnição militar/obras de fortificação/pontes/bocas-de-fogo/pólvora/mantimentos etc…
Nota: No mesmo bloco de correspondência fica-se a saber ter sido afixado na Praça de Abrantes por ordem do Marechal Beresford, comandante do Exército um edital com a ordem de que todos… “aquelles que não tiverem (mantimentos) com que apromptar estas providencias, e as gentes innuteis, como velhos, mulheres e crianças que não devem ficar dentro da Praça, ou os faça desejar em tempo conveniente, de maneira que não façam o menor estorvo e pezo á Guarnição”11. 
SETEMBRO: Regimento de Infantaria Nº 13 passa a fazer parte da Guarnição de Abrantes24. 
OUTUBRO 6: Retirado para Lisboa, por ordem do Marechal Conde de Trancoso, Coronel Engenheiro Manuel de Sousa Ramos, relata a D. Miguel Pereira de Forjaz: … como o Marechal de Campo Manuel José Lopes de Sousa Governador d’Abrantes fosse encarregado de queimar Ponte de Abrantes, elle principiou  a executar esta ordem mandando queimar na noite  do dito dia 6 de Outubro todas as Barcas que se achavão fora da Ponte, reservando a Ponte para outra ocazião afim de servir no entretanto para a passagem dos Povos que se retiravão para o Alentejo, e da Troppa que dali vinha a entrar, mas chegando logo o actual Governador d’Abrantes, e vendo a necessidade da existência da Ponte, conferindo com D. Carlos Hespanla(!) tomarão sobre si a conserva-la, e defende-la, de que dando parte, segundo me consta ao mesmo Marechal Conde de Trancoso, este annuindo ao que se lhe reprezentou, encarregou ao Capitão Pedro Patton do Comando, e Direcção da dita Ponte, ficando eu em Lisboa sempre encarregado dos pagamentos, e deste modo se conservarão as 25 barcas que escaparão da queima formadas em ponte por algum tempo, e depois em barcas volantes, em que o dito Capitão empregava acima de 120 pessoas…11
OUTUBRO 8:Beresford manda evacuar as terras à aproximação do inimigo e João Lobo Brandão, Coronel Governador nomeia dois oficiais de justiça do Regimento de Milícias para Punhete, devido ao abandono dos mesmos por medo. 
OUTUBRO 9: Na defesa das pontes e Praça de Abrantes de 9 Outubro 1810 a 7 de Março de 1811 estiveram os Regimentos:
  •  Regimento de Cavalaria 9 com 579 militares/Comandante Major Pessoa de Melo.
  •  Regimento de Infantaria 13 com 1410 militares/Comandante Coronel Lobo Brandão.
  • Regimento de Infantaria 22 com 1144 militares/Comandante Temente Coronel Walting.
  • Três Regimentos de Milicias com 1912 militares.
OUTUBRO 9/10: André Masséna dá início ao cerco de Abrantes19. Na eminência de um ataque à fortaleza de Abrantes, muitos abrantinos fogem e dirigem-se às linhas de Lisboa/Torres Vedras. 19

Massena
OUTUBRO 22: Alguns contingentes franceses entram em Abrantes19. 
-Infantaria Nº 13 repele violentamente na região de Punhete=Constância um reconhecimento inimigo. (vários especialistas em história militar afirmam, de que foi o R.I. 13 quem defendeu Punhete e a praça de Abrantes desde fins de Setembro de 1810 a Março de 1811)19. 
OUTUBRO: O exército Francês encontrava-se apertado num círculo de ferro… estava perseguido na retaguarda e flancos, tendo à esquerda Abrantes com os aliados e à direita Peniche… 17 o invasor viu-se apertado por todos os lados… nos flancos as Praças de Peniche e Abrantes, cujas guarnições em audaciosas surtidas se opunham às forças que se aproximavam do Zêzere… 8. 
NOVEMBRO 4/5: O relato dos acontecimentos de Abrantes, observados e escritos pelo Tenente Coronel Gil de Almeida Sousa e Sá, do Regimento de Milícias de Soure, refere o dia 4 e 5 de novembro: Hontem de tarde vierão 400 solddºs. Infantes, 200 Cavallos e tiveram huma Acção por espaço de duas horas com hum fogo activo, com dois Batalhões e mais alguma Troppa, e 3 peças de Artilharia q. o Governador desta Praça mandou shair nossos, cuja acção findou ao anoitecer, da nossa parte houveram dois feridos, e dos inimigos se acharão 9 mortos, fora os mais q. se não pode ainda saber. Ao fazer desta (dia 5) se vem aproximando a esta Praça coisa de 500 Francezes d’Infantaria, e 300 Cavallos q. eu vejo do meu posto aonde estou com o meu Regimento11. 
-Wellington recomendou a Beresford que em ordem do dia louvasse pelos serviços prestados à Pátria, entre outras unidades, o Coronel João Lobo Brandão de Almeida e guarnição da praça de Abrantes8. 
NOVEMBRO 5: Tropas Inglesas avançam sobre Abrantes 19. 
NOVEMBRO 12: João Lobo Brandão, Coronel Governador, manda ouvir várias testemunhas para saber se o Tenente do Real Corpo de Engenheiros António José da Cunha Salgado tinha alguma afeição pelo governo tirânico dos Franceses e dito mal do Nosso Príncipe, e da sua Augusta Família Real.  
NOVEMBRO 13: De um total de 7.513 militares em estado completo, no “Mapa da Força da Guarnição de Abrantes”, assinado por João Lobo Brandão encontra-se prontas para todo o serviço nesta Vila de Abrantes 4.559 praças.
·         Em diligência 253
·         Presos 95
·         Nos portões de fora 366
·         No hospital da Vila 511 e outras situações encontram-se os restantes militares.
FORÇAS:
  •  Artilharia de Linha
  • Regimentos de Infantaria Nº 
  •  Regimentos de Infantaria Nº 13
  • Regimentos de Infantaria Nº 22
  • Regimentos de Milícias de Arouca
  • Regimentos de Milícias Lousã/
  • Regimentos de Milícias Soure
  • Companhia fixa da Beira Alta e Ordenanças fazem parte dos contingentes que estavam em Abrantes e constam neste “Mapa da Força”.

Nota: O número de combates, assaltos, defesa de praças e bloqueios, travados pelas forças portuguesas durante a Guerra Peninsular foi significativo. Devido ao número de Regimentos e outras forças em presença na Vila de Abrantes (7.513 em estado completo e 4.559 prontas para todo o serviço), justifica-se apresentar neste trabalho, para comparação, o “Mapa Geral de Recrutamento” e o “Mapa Geral de Perdas” em consequência de baixas por incapacidade, de superior sentença, desertarem e terem morrido, desde 1809 a 1813:
DEZEMBRO 25:Em 132 documentos abrangendo o período 8 de Agosto a 25 de Dezembro, João 
Lobo Brandão, Coronel e Governador, descreve em pormenor, a partir de Abrantes, uma das fases
mais importantes da Guerra Peninsular, observando/vigiando o inimigo de perto e elaborando
relatórios precisos que faz entregar a D. Miguel Pereira de Forjaz. 
8Vid. História do Exército Português, do General Ferreira Martins, a fls. 256/266/275.
11AHM
16Apontamentos Biográficos 1770/1857 de Francisco Paulo d’Azeredo, Conde de Samodães.
17As três invasões francesas, Guerra da Independência por Marcelino Mesquita – Biblioteca do Povo, fls. 20 e 56/63.
19Da Crise do Antigo Regime à Revolução Liberal 1799-1820” - Fernando de Castro Brandão - Ano 2005.
23Ordens do Exército – 1809/1858 – Artº 2656.
24 In Infantaria Nº 13 – Edição 2005.
Anexo A
O TELÉGRAFO DE “CIERA” – ANO 1810
Por José Manuel d’Oliveira Vieira
            Um dos principais problemas que as tropas portuguesas tiveram no início do Século XIX durante a “Guerra Peninsular”, foi a inexistência de um meio das unidades em campanha comunicarem entre si, num curto espaço de tempo.
            Embora entre nós já houvesse conhecimento da telegrafia visual, foi com Wellington (1810/1811) que se estabeleceram as transmissões telegráficas visuais, entre as fortificações das Linhas de Torres e os seus flancos laterais, durante as Invasões Francesas.
            Para além do “Telégrafo de Bolas”, assim se denominava o sistema Inglês (fig. 1), os militares lusos sentindo a necessidade das tropas nacionais terem o seu próprio sistema, inventaram o “Telégrafo Óptico Português”: Francisco António Ciera e Pedro Folque, dois dos engenheiros militares portugueses desta época, desenvolveram os seus próprios sistemas nacionais. De menor alcance, mais baratos, mas mais eficientes, mais fáceis de usar e que imprimiam maior rapidez às comunicações1, estava o sistema de Ciera que utilizava um dicionário de 60.000 palavras ou frases2.
            A par do arsenal logístico existente em Abrantes para proteger a capital do reino, foi mandado colocar nesta Vila em 1810 um “telégrafo”, para a transmissão de ordens militares, o que veio a acontecer após D. Miguel Pereira de Forjaz, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra, ter questionado Francisco António Ciera, director dos telégrafos e inventor do “Telegrafo Óptico Português”, sobre a demora da instalação do telégrafo em Abrantes 3 (fig. 2).
            Ainda sobre a obra do Telégrafo de Abrantes, o marechal de campo José Lopes de Sousa, a partir desta Vila comunica a D. Miguel de Forjaz: Tenho a honra de informar V. Exª., que se tem trabalhado na obra do Telegrafo, e que posto senão ache completa toda a obra pelo que respeita a barraca e sua escada; o Telegrafo já poderia trabalhar; a corresponder-se com o da Barquinha cazo que aquelle de achasse pronto, mas não se avista ainda no lugar em que se pode collocar … Abrantes 23 de Junho de 1810 (fig. 3).
            No dia seguinte (24Jun), o marechal de campo José Lopes de Sousa informa D. Miguel de Forjaz: Hontem participei a V. Exª que não se avistava ainda daqui o trabalharse na colocação do Telegrafo no lugar da Barquinha, mas na mesma tarde já se divizava este trabalho, e o que hoje mais se verifica. Deos Guarde V. Exª Abrantes 24 de Junho de 1810 (fig. 4).
            Apesar do sistema Ciera ser fácil de usar, o 2º Tenente do Real Corpo de Engenheiros, António Vaz da Cunha Salgado, propõe a João Lobo Brandão de Almeida, Governador da Praça de Abrantes alterar o método das comunicações telegráficas. Depois de descrever as alterações ao sistema Ciera, Salgado finaliza assim o Oficio: Se este meu trabalho V. S. julgar tirar utilidades nas circunstâncias prezentes, o seu bem conhecido patriotismo lhe dará o destino que merece. Ds Gde a V. Sa Abrantes 13 de Março de 1811 4.
            Ao ter conhecimento da carta, Francisco António Ciera, inventor do telégrafo nacional, ironizou desta forma as alterações que Salgado propunha introduzir: Desconfio q. esta seja huma d’aquellas invenções, q. …são(!...) boas sobre o papel; e conq. D’ordinário se iludem os q. não tem pratica.  20 de Maio de 1811 Ass. F.A.Ciera 4.
            No contexto da Guerra Peninsular, a história do telégrafo da Vila de Abrantes continua desvalorizado. Para provar a importância deste meio de comunicação rápido (na época) vejam-se algumas das mensagens: De João Lobo Brandão para D. Miguel Pereira de Forjaz – Neste instante ás 12 do dia acabo de receber huma ordem de V. Exª pelo Telégrafo… Abrantes 11 de Junho de 1811 5.
            Num Boletim do Thelegrafo central de Lisboa do dia 13 de Abril de 1812 ás 6h da tª  consta a seguinte mensagem enviada do telégrafo de Abrantes: Participar a Marechal Beresford, q. no dia 11 do corrente vierão huns 5ooo homens de Cavallaria Inimiga a Alpedrinha, Souveneira For moza (Sobreira Formosa), Fundão saquear… Governador. No mesmo boletim consta ainda uma outra mensagem de Lisboa para Abrantes: Mandar pelo Thelegrapho pª Abrantes o seguinte. Marechal Beresford Ordena q. Governador reúna sem demora sua Guarnição, e se ponha no melhor estado de Defeza – Mozinho – 13 de Abril de 1812 (fig. 5).
            Os últimos dados do “Telégrafo de Palhetas” ou de “Ciera”, constituído por uma armação de madeira, que se encontrava na Torre do Castelo de Abrantes, datam de 28 de Agosto de 1815. Num aviso sobre reparações urgentes no telégrafo em Abrantes consta o seguinte:
O General Azedo.
Participou-lhe o 1º Tenente de Engenheiros, Director das obras de Abrantes, qu o Comandante da Artilharia lhe tinha dito, que para evitar alguma desgraça desmanchasse o Telegrafo da Torre do Castelo, que está a cahir por se acharem podres as madeiras, e que já faltão algumas: e perguntava, o que devia fazer.
Azedo diz, que preciza ser autorizado para mandar remover as madeiras do dito Telegrafo supposto o estado da sua ruína… 6.
A pouca documentação que existe sobre o telegrafo visual de Abrantes e da qual tive acesso, não permite afirmar que o mesmo tivesse sido reparado e prolongado para além de 1815.
O telégrafo de palhetas/ tabuinhas ou persianas, como era chamado, implantado por Francisco António Ciera, não funcionando em condições atmosféricas adversas ou de noite, foi no entanto o método mais eficaz de transmitir mensagens durante a Guerra Peninsular e após esta, prolongando-se no tempo até ao advento do telégrafo eléctrico.
Conhecendo-se a utilidade militar que o “Telégrafo Óptico” de Abrantes teve durante a Guerra Peninsular, onde encontrar esboços, óculo (fig. 6), dicionário telegráfico/fraseologia, tábuas telegráficas/Instruções para o Serviço Telegráfico (fig. 7), quem construa uma réplica à escala natural do Telégrafo de Ciera7, porque não incluir o tema num dos eventos sobre as Invasões Francesas e fazer uma recriação inédita e histórica, no local onde foi construído no ano de 1810?
fig. 1 – Telégrafo de Bolas – Sistema Inglês
fig. 2 - Telégrafo Óptico Português
Torre do Castelo de Abrantes
Em 1303 a Torre de Menagem tinha “três pavimentos”. O terramoto de 1531 desmoronou dois andares. Em 1810, quando o telégrafo de Ciera foi instalado na Torre do Castelo encontrava-se tal como hoje a conhecemos exteriormente.
 
fig. 3 - Telégrafo de Abrantes concluído
fig. 4 - Telégrafo da Barquinha concluído

fig. 5 - Boletim Operador Telégrafo
 
fig. 6 – Óculo utilizado pelos telegrafistas
fig. 7 - Códigos – Tábuas Telegráficas (1810)
Telégrafos de Persianas – Torre de Belém/Porto/Peniche
fig. 1 Telégrafo de Bolas – sistema Inglês – Câmara Municipal de Mafra/Dez2008 – recriação histórica.
fig. 2 Torre Castelo de Abrantes – Telégrafo “Ciera” – sistema português (imagem tratada no Photoshop – José Vieira)
fig. 3 Telégrafo de Abrantes concluído -  AHM-DIV-1-14-269-50 (02)
fig. 4 Telégrafo da Barquinha concluído - AHM-DIV-1-14-269-50 (01)
fig. 5 Boletim do Telégrafo Central com referências às comunicações do Telégrafo de Abrantes – AHM-DIV-1-14-180-25
fig. 6 Óculo com alcance superior a 3 léguas (usado pela marinha 1ª metade do Séc. XIX)
fig. 7 Instruções para o Serviço Telegráfico 1810 e Tábuas Telegráficas 1810 (caixa 1305), foram cedidos a José Manuel d’Oliveira Vieira, autor deste trabalho pela Biblioteca da Marinha – Arquivo Histórico.
***
1José Paulo Berger – Chefe do Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar (2008); 
2/3/4/5/6AHM 
7FCosta – Oficina de Museus – Rua Alexandre Sá Pinto nº 109 – 1300-034 Lisboa - Construção réplicas históricas. A réplica do Telégrafo de Bolas, sistema Inglês (fig. 1) foi executada nesta oficina.
***
 


-O “telégrafo de persianas português”, criado pelo Doutor em Matemática, Francisco António Ciera, implantado em 1810, na Torre do Castelo, nunca foi incluído ou discutido num evento em Abrantes quando o tema é a Guerra Peninsular.
 -Dos muitos documentos antigos (1810/1834) onde o nome de Abrantes aparece, invariavelmente, lá se encontra algo relacionado com o “telégrafo Abrantes/Barquinha”.
-Fazendo parte de uma das três redes telegráficas implantadas no Reino, o Telégrafo de Abrantes poderá ter tido um papel mais importante durante as campanhas napoleónicas do que efectivamente se pensa.
“Abrantes Militar – O Telégrafo”, não pretende ser um artigo pretensioso. O texto é apresentado por sequência de datas, tal como foram consultados em documentos da época.
José Manuel d’Oliveira Vieira/Fev2009

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