Na década de trinta e quarenta do Século passado, quem conheceu o Adro e a zona envolvente da Igreja de S. João Batista em Abrantes, lembrar-se-á certamente da casa unida à Igreja (fig. 1), das frondosas árvores que se encontravam no Adro (fig. 2) e da escada de acesso à mesma.
fig. 1 - Casa demolida - ano 1939
fig. 2 - Adro da Igreja de S. João - ano 1943
Quatro anos mais tarde, após a demolição da casa que se encontrava pegada à Igreja de S. João, quando se procedia a obras de arranjo do Adro, construção de um novo acesso (fig. 3) e demolição do muro na Rua Carreira dos Cavalos, hoje Rua Henrique Santo Silva, foram postos a descoberto vinte blocos de pedra trabalhadas, bem como algumas moedas antigas.
fig. 3 - Acesso à Igreja S. João - ano 1943
Para surpresa de quem examinou as peças finamente esculpidas na pedra e ignorava o seu paradeiro, depressa concluiu serem parte de um “retábulo que existiu na Capela do Santíssimo Sacramento de S. João” e representam “os Passos da Paixão de Cristo”, dos quais havia noticia mas de que não havia vestígios.
A descoberta destes fragmentos teve lugar no dia 24 de Abril de 1943, sábado de Aleluia e é tudo o que resta do preciosíssimo retábulo onde hoje se encontra o altar da Nossa Senhora do Carmo, na Igreja de S. João Batista (fig.4).
fig. 4 - Altar de Nossa Senhora do Carmo
Provisoriamente foi esta importante descoberta artística guardada no átrio do Definitória da Santa Casa da Misericórdia de Abrantes, transitando mais tarde para o Museu Municipal D. Lopo de Almeida, Igreja de Santa Maria do Castelo.
Sabendo existir uma foto do ano de 1943 onde se podem ver dois dos blocos esculpidos: um com a imagem do nazareno tendo a seus pés a Verónica, com o santo sudário e outro com a imagem da virgem, tendo ao lado S. João Batista – cenas da Paixão de Cristo, quis saber um pouco mais a história desta descoberta.
Num dos depósitos de reserva arqueológica do Museu D. Lopo de Almeida a Dr.ª Filomena Gaspar, arqueóloga da Câmara Municipal de Abrantes mostrou as esculturas que desconhecíamos e explicou o significado das mesmas.
Faltando saber o local exacto da Igreja de S. João Batista onde originalmente esteve o precioso achado, foi num escrito do Dr. Diogo Oleiro, Conservador do Museu D. Lopo de Almeida, de 1943, que encontrei a resposta.
Na falta de uma outra explicação arqueológica, que só os arqueólogos ou historiadores poderão dissertar, achei por bem dar a conhecer o que se sabe sobre as pedras achadas no muro do Adro da Igreja de S. João Batista de Abrantes:
O RETÁBULO/HISTÓRIA
(…)Em 1721, um escritor falando dela (Igreja de S. João) e das suas capelas, dava como existindo no lado do Evangelho a das Almas, do Senhor Jesus, do Santíssimo Sacramento e do mistério da Ressurreição.
Outro escrevendo em 1745 dizia a propósito das capelas do mesmo lado: Da parte do Evangelho está a capela e altar das Almas com um quadro de S. Miguel, de excelente pintura em pano, o qual se pôs há poucos anos, é grande, toma todo o vão da capela e nela tem uma confraria.
O primeiro altar da nave desta parte é de Cristo Crucificado, imagem, grande e esta capela é interior.
O segundo altar ou capela está à face, é do Santíssimo Sacramento e nele está o Sacrário. O retábulo desta capela é de pedra com todos os Passos da Paixão de Cristo, tudo em figuras de pedra com muita perfeição.
O terceiro altar ou capela é da Ressurreição de Cristo Senhor Nosso, tem a imagem do mesmo Senhor em uma tribuna dourada e tem confraria.
Quer dizer, o autor em 1745 encontrava assim os altares da nave esquerda de S. João.
Em 1943, o altar das Almas apresenta-se modificado(…)
O altar de Cristo Crucificado, na sua capela interior, desapareceu. Em seu lugar fizeram em 1848 o altar que lá está, para o Senhor Jesus do Capítulo, que acabava de ser removido de S. Domingos(...)
O altar do Santíssimo Sacramento, o tal do retábulo de pedra com os Passos da Paixão, em figuras também de pedra com muita perfeição, está transformado no altar da Nossa Senhora do Carmo, de talha, com escudo da Ordem – Diogo Oleiro (b).
Cristo a caminho do Calvário
S. João Evangelista
Começo volta de um arco com uma Torrinha
Sagitário
(a) Cronologia de Abrantes do Século XX, pág. 109 – Eduardo Campos
(b) História Arte Arqueologia XXI – Retábulo do Sacramento de S. João, por Diogo Oleiro - J.A. nº 2208 de 9 de Maio de 1943.
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