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DIÁRIO DE UM COMBATENTE II

EXPEDIÇÃO A MOÇAMBIQUE (1916)
Por José Manuel d’Oliveira Vieira
(Autor artigo publicado "Jornal de Alferrarede" Nº 271 Mai2008)
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NOTA: Salvaguardando relatórios oficiais elaborados durante o inferno do Rovuma, poucos são os manuscritos de combatentes que chegaram aos nossos dias. Os relatos desse inferno, "diário", "mensagens", "fotos", "espada" e "capacete", tudo propriedade do autor, são documentos únicos que urge preservar. A juntar à história dos Combatentes da Grande Guerra de Abrantes 1923/2004, fica mais este testemunho que poderá um dia fazer parte de um futuro Museu: Aos Combatentes do Concelho de Abrantes.JMOVJan2010
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EXCERTOS DE MENSAGENS ENVIADAS A ALFREDO ALVES DA SILVA
5 Maio de 1916 – (verso de um telegrama alemão) A peça (canhão), não pode hoje passar o rio onde está o barco. Deixe a peça com 10 cipaios na palhota mais próxima que encontrar e siga com o pessoal e munições.
20 Maio 1916 – Pelo portador lhe é enviado o que pede e o tabaco da semana que só hoje foi distribuído.
20 Maio 1916 – Só hoje consegui arranjar carregadores para conduzirem os géneros. …os géneros vinham numa lancha, mas os alemães atacaram, havendo uma escaramuça, os carregadores ouvindo os tiros fugiram.
22 Maio1916 – … A requisição de tabaco pode incluir fósforos, papel, sabão…
29 Maio 1916 – …Marche logo que possa pois estou desejoso de ver a bateria toda junta. Mando viveres para dois dias para os cinco brancos e para cinco indígenas.
5 Junho 1916 – … Tens sido atacado? Nós tentamos a primeira passagem mas fomos mal sucedidos, como talvez saibas.

Abrantes - Escada lateral esquerda Convento S. Domingos - Artilharia Montada

6 Junho 1916 – … Vou dar-lhe embora mui resumidamente… os pormenores do combate de 27 findo. No dia 26 pela 1 hora da noite marchei de Namôto para este posto (Namaca) com 3 peças juntamente com os camaradas Marques, J. António e Cardozo. Às 8 da manhã rompemos fogo para a margem esquerda, cooperando connosco o Adamastor, mas os alemães nesse dia não derem o menor sinal de que ali estivessem. No entanto durante o dia tudo se preparou para o combate do dia seguinte (27), 20ª companhia indígena e 1ª companhia indígena, grupo de metralhadoras, uma secção da marinha e a bateria de que faço parte. Em 27 rompeu-se fogo às 8 horas (estava também a bateria Canet) um fogo verdadeiramente intenso cooperando também connosco o Adamastor e os “boches” nada responderam. Ás 9 horas cessou o fogo e então é dada ordem para que um pelotão do 21 de infantaria e outro do 20 avançassem para a praia o que imediatamente fizeram. Uma vez ali estenderam em linha de atiradores e assim aguardaram a chegada das lanchas que os haviam de conduzir à margem esquerda, chegando mesmo a comerem o rancho na praia. Ás 9 horas chegaram as lanchas a reboque e é então dada ordem de embarque o que imediatamente fizeram sem que coisa alguma os prejudicasse; no entanto a artilharia ia protegendo as lanchas. Postas em andamento e quando estavam talvez a 100 metros da margem esquerda rompe sobre eles um verdadeiro dilúvio de balas enviadas pelas metralhadoras que eles (alemães) possuem. (Ouviu-se neste momento para os lados de Namianga a metralhadora a funcionar, vou pôr-me em abrigo). Não calculas a confusão que naquele momento houve; os que iam nas lanchas deitaram-se ao rio aqueles que puderam, e outros ficaram mortos dentro das mesmas. A Bateria a que pertenço foi um verdadeiro alvo e só a um milagre se deve não haver feridos nesta unidade. Calcula-se em mais de 50 o número de mortos e feridos, sendo o capitão Alpoim de infantaria 21, sargento Brandão de infantaria indígena e alguns soldados e cabos europeus de infantaria 21 e muitos da 20ª companhia indígena: O tenente Ferreira, pré-comandante militar de Kionga foram ferido gravemente e o capitão Fernandes da 20ª. Neste mesmo dia à noite, o comandante da Chaimite foi à margem esquerda para ver se poderia salvar duas metralhadoras que iam a bordo das lanchas e que os alemães nos apreenderam, fazendo também prisioneiro Matos Preto, comandante a que me refiro atrás.
Há dois dias que aqui veio um parlamentário alemão pedindo medicamentos para os nossos feridos que eles lá têm prisioneiros. São agora 4 e 20, estão atacando Namôto e já deram para aqui alguns tiros de carabina, vou para a trincheira.
Bom dia! Interrompi hontem esta para marchar para a trincheira pois os alemães atacaram, dando apenas alguns tiros de carabina.
Dormi na trincheira com…. Pelas 6 ½ cumprimentaram-nos com um tiro de carabina. Novidades do combate de Namôto ainda se não sabem. Aguardo o camarada J. António que hontem ali foi para conduzir para aqui munições e este contará alguma coisa. Com referência ao combate de 27… confirma-se que os alemães têm em seu poder duas metralhadoras… (os alemães estão agora a fazer fogo, mas não me impedem de continuar a escrever porque estou abrigado). O Marques baixou há dias ao hospital…

Guiné - 1908

6 Junho 1916 – Recebi as suas munições…. Essa peça (canhão) que ai está deve regressar logo que aí cheguem as peças 37 da marinha que há dois dias foi para ai… o pessoal deve continuar até nova ordem.
Encorage lá os rapazes enquanto puder…. Aqui houve algumas baixas…
16 Junho 1916 – … A causa do bombardeamento do dia 13 foi a canalha “germanófila” assaltaram o posto de Namaca nessa mesma madrugada, matando os soldados nºs 135 e 257 da nossa bateria e um de infantaria e fizeram-nos prisioneiros um tenente de infantaria e alguns soldados da mesma arma. …. Queixas-te que há mais de um mês não recebes sabão, outro tanto me acontece. A última vez que o recebemos foi em Palma…. O R… ficou em Porto Amélia para acompanhar depois o gado, apareceu o gado em Palma e ele ficou lá a fazer não se sabe o quê. Naturalmente cagou as ceroulas quando soube que a bateria marchava para a margem do Rovuma.

Penamacor - Artilharia de Montanha - 1912

18 Junho 1916 – Ai vai o que em medicamentos foi possível arranjar. Tintura de iodo não foi possível. …o 225 ficou gravemente ferido não tendo ainda notícias dele….
Propositadamente deixei para o fim a carta (mensagem) nº 9 de 7-7-1916. Esta mensagem, dirigida a Alfredo Alves da Silva, quando se encontrava na margem do Rovuma, Moçambique, resume o sacrifício dos combatentes que fizerem parte da expedição mais sacrificada e mortífera descrita na História de Portugal, durante a I Grande Guerra 1914/1918: Meu caro A.S. (Alfredo Alves da Silva)
Os 1ºs Sarg. Felizardo, Rosa, Cardozo, M. Pereira, Inês, Souza, tenente Ferreira e este seu amigo cumprimentamo-lo desejando-lhe muita saúde para assim melhor cumprir, com o seu desejo, de bem desempenhar a espinhosa missão de que foi incumbido para honra do nosso exército e glória do velho Portugal. (ass. Rodrigues)

Espada m/892 de ferro polido - Artilharia e Cavalaria

Chapéu - Capacete

Referências: O Chapéu de feltro (capacete) e espada que se mostram neste artigo foram usados pelo combatente Alfredo Alves da Silva, na Primeira Grande Guerra em Moçambique e França. As fotos do Combatente Alfredo Alves da Silva, fizeram parte do espólio de Henrique Santos Silva que foi Maestro do Orfeão Abrantino. Mapa de Operações e Trincheira de Kionga, retirados do “O Portal da História – Portugal na primeira Guerra Mundial - Moçambique”
NOTA: Durante o serviço militar, o Combatente Alfredo Alves da Silva, esteve de 1900 a 1901 em Expedição a Macau e em Comissão na mesma provincia de 1905 a 1907. Em 1908 esteve 144 dias na Guiné. De 1915 a 1916 fez uma Expedição a Moçambique. De regresso ao Reino, Alfredo Alves da Silva parte em Expedição para França, onde permaneceu de 26 de Setembro de 1917 a 19 de Março de 1919.
Já fora das fileiras, Alfredo Alves da Silva, dedicou-se ao associativismo. Parte do seu tempo (faceta pouco conhecida) foi compor músicas para violino, que seu filho Henrique Santos Silva, distinto Maestro do Orfeão Abrantino tão bem soube interpretar.

Alfredo Alves da Silva - Orfeão Abrantino

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito Obrigado por estes textos.
Ajudaram-me imenso no meu trabalho de história.
João 13 anos