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INICIO E FIM DO CONVENTO NOSSA SENHORA DA GRAÇA DA VILLA DE ABRANTES – AS CARTAS


Por José Manuel d’Oliveira Vieira
Artigo do autor publicado no "Jornal de Alferrarede" Nº 290DEZ2009
CONVENTO DOMINICANO FEMININO NA VILLA DE ABRANTES
A origem do Mosteiro de Nossa Senhora da Graça teve princípio no Bispo da Guarda D. Fr. Vasco de Lamego, em cuja diocese se compreendia a então Vila de Abrantes.
Com os sobejos das suas rendas, Vasco de Lamego, no ano de 1422 (ano do Redentor 1384), ordenou o levantamento de um Mosteiro de Freiras em Abrantes, em louvor da Virgem Maria, em local que não onde hoje se encontra a Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.
Escolhida pelo Bispo a Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, floresceu este Mosteiro até ao tempo do Rei D. Duarte, quando um surto de peste dizimou todas as suas religiosas quase fechando o Mosteiro de invocação a Nossa Senhora da Consolação.
Para continuar a servir as ordens monásticas, não perderem as casas desabitadas, rendas e propriedades por falta de administração, os Bispos da Guarda lhe nomearam Comendatárias, como recolhimento de mulheres nobres sem clausura (a) […]. Devido ao esbanjamento de rendas e propriedades, durou este provimento pouco menos de cem anos, até uma outra mulher, a moça e nobre filha de Affonso Florim e de Violante Alvares d’Almeida restituir o Mosteiro à sua antiga religião.
Restituídos que foram pela Prioresa Brites de S. Paulo os virtuosos intentos e bons princípios ao Mosteiro, no dia de todos os Santos, em 1529, fizeram profissão as primeiras noviças.
Em 1541, quando o Padre Mestre Fr. Jerónimo de Padilha, Provincial de S. Domingos passou pela vila de Abrantes, o Mosteiro de Nossa Senhora da Consolação passou a designar por Nossa Senhora da Graça, para se distinguir do convento dos frades que já se designava dessa forma.
Assumido pela Ordem Dominicana, esta comunidade de onze companheiras, já com licença da Sé Apostólica para o Mosteiro poder passar ao Hábito e Regra de qualquer das Ordens reformadas então existentes (1541), D. João III, concedeu às freiras o privilégio para poderem, sem mais autoridade de justiça, mandar executar os seus rendeiros e caseiros.
Com gente nobre a afluir cada vez mais ao Convento, casas velhas, aposentos estreitos, em sítio incapaz de se alargar, resolveram as Monjas Dominicanas obter licença para nova casa em posto mais cómodo e mais chegada à Vila.
Para a construção da sua nova casa el-Rei concedeu-lhes algumas esmolas em dinheiro, e huns alvitres de importância. Eis parte da carta enviada à Madre Prioresa e Freiras: Eu el-Rei vos envio muito saudar. O Padre Frei Pedro Bom, me requereo da vossa parte o despacho da venda dos officios d’Escrivão da Câmara, e d’Almotaçaria d’essa villa, e assim da parede, e chãos, de que vos fiz mercê, e esmola para as obras do Mosteiro novo: E o despachei, segundo vereis por huma carta, que sobre isso escrevo ao Corregedor d’essa Comarca […] para que este verão, que vem, com a ajuda de nosso Senhor vos possais mudar ao dito Mosteiro novo […]Concluído o novo edifício e cerca do Mosteiro da Graça, sendo Provincial o Padre Frei Francisco de Bovadilha se fez no ano de 1548 a solene passagem de trinta e quatro religiosas para o novo Convento Dominicano feminino, este sim, no local onde hoje se encontra a Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.
A esposa de D. João III, Rainha D. Catarina, senhora religiosa e de muita bondade, ajudava e escrevia com alguma frequência ás freiras do Convento da Graça.
Para os que nunca tiveram oportunidade de ver as cartas enviadas pela Prioresa à Rainha D. Catarina bem como a do Corregedor de Abrantes ao Rei D. João III, quatro séculos depois "COISASD'ABRANTES" dá a conhecer um pouco mais da história do já desaparecido Convento Dominicano de Abrantes:
01 de dezembro de 1551 – Carta de D. Isabel de S. Francisco, Prioresa da Graça de Abrantes, dando conta ao Rei (D. João III) não consentir na avaliação que fez o corregedor de Abrantes da obra que fizera no dito Mosteiro, Pedro Fernandes (fig. 1).
(fig. 1)
02 de dezembro de 1551 – Carta do Corregedor de Abrantes dando parte ao Rei (D. João III) que, em cumprimento da sua real ordem, fora com os oficiais ao Mosteiro da Graça de Abrantes, medir a obra que fizera Pedro Fernandes para regulação da sua conta (fig. 2).
(fig. 2)
04 de novembro de 1559 – Carta da Princesa (b) e mais Religiosas do Convento de Nossa Senhora da Graça, da Vila de Abrantes, de agradecimento à Rainha da esmola que manda dar todos os anos (fig. 3).
(fig. 3)
09 de setembro de 1561 – Carta da Prioresa e Freiras de Nossa Senhora da Graça da Vila de Abrantes em que, com esta, mandou os 3 mantéus e um barril de óleo de flor (fig. 4).
(fig. 4)
Fonte: História de S. Domingos.
(a) Eram os tempos pouco escrupulosos, e as Prioresas de nome, livre e liberais, para darem, doarem e casarem suas criadas com os bens eclesiásticos (pg.238 – livro III História de S. Domingos).
(b) Foi esta carta mal catalogada. Em vez de Princesa deve-se ler Prioresa. À data de 1559, não havia nenhuma princesa no reino.
Cartas e textos: Direção Geral de Arquivos (http://digitarq.gov.pt/ ): (1) PT/TT/CC/1/87/27; (2) PT/TT/CC/1/87/29; (3) PT/TT/CC/103/128; (4) PT/TT/CC/1/105/32

DATAS QUE MARCARAM O FIM DO ÚNICO CONVENTO DOMINICANO FEMININO EM ABRANTES *
04 de novembro de 1891 – Morre Maria Angélica do Santíssimo Rosário (Maria Angélica Godinho), Prioresa e última religiosa professa do Convento de Nossa Senhora da Graça. Os bens do Convento são arrolados pela autoridade administrativa, solicitando a CMA ao Governo a cedência do imóvel.
03 de dezembro de 1891 – O Governo cede provisoriamente à CMA o edifício e cerca do extinto Convento de Nossa Senhora da Graça, para nele se estabelecerem as repartições publicas e suas dependências, escola municipal de instrução secundária e tribunal judicial.
19 de abril de 1892 – O Governo torna definitiva a concessão provisória feita à CMA do edifício e cerca do Convento de Nossa Senhora da Graça.
24 de julho de 1892 – Tem inicio a venda de bens do extinto Convento de Nossa Senhora da Graça. Na inventariação desses bens, as competências do administrador do concelho são por mais de uma vez postas em causa, ou mesmo ignoradas, por outras autoridades locais.
29 de dezembro de 1892 – O administrador do concelho confere a posse do Convento de Nossa Senhora da Graça à CMA.
21 de dezembro de 1893 – Face à recusa manifestada pelo arcipreste de Abrantes, Manuel Martins, em entregar as chaves do Convento de Nossa Senhora da Graça, a Câmara Municipal de Abrantes (CMA), toma posse do edifício através do arrombamento de uma porta.
Janeiro (!!!) de 1895 – A CMA autoriza o arcipreste de Abrantes a retirar diversos bens culturais do extinto Convento de Nossa Senhora da Graça, para serem distribuídos na forma de lei.
25/26 de fevereiro de 1895 – Regista-se uma grande cheia do Tejo. Alguns habitantes do Rossio ao Sul do Tejo obtêm abrigo no Convento de Nossa Senhora da Graça. (Refere-se este facto por ter sido o último serviço prestado à comunidade local).
16 de junho de 1897 – A CMA doa à Santa Casa da Misericórdia dois altares laterais da Igreja do extinto Convento de Nossa Senhora da Graça.
01 de junho de 1898 – A CMA doa à Junta de Paróquia de Rossio ao Sul do Tejo dois altares laterais da Igreja do extinto Convento de Nossa Senhora da Graça, para serem colocados na Igreja Matriz daquela freguesia.
01 de fevereiro de 1899 – A CMA doa ao mordomo das Capela de S. José de Nossa Senhora das Dores, de Ortiga, um retábulo existente no coro da Igreja do extinto Convento de Nossa Senhora das Graça.
07 de março de 1900 - CMA doa à Irmandade do Senhor Jesus dos Passos um dos altares laterais da igreja do extinto Convento de Nossa Senhora da Graça para um novo passo que a irmandade construiu na Rua Luís de Camões.
06 de junho de 1900 – José Martinho Charneca, de Lisboa arremata em hasta publica por 201$500 o altar-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Graça.
23 de outubro de 1901 – É assinada a escritura para demolição do Convento de Nossa Senhora da Graça e construção do edifício das repartições públicas, que fica concluído em abril de 1904.
*(Cronologia de Abrantes no Século XIX /XX – Eduardo Campos - Edição CMA 2000/2005)
*CONVENTO DA GRAÇA E SUA CERCA

CONVENTO DA GRAÇA – DEMOLIÇÃO

DEMOLIDO O CVTº NASCEU EDFÍCIO PÚBLICO 

Na “Revista da Associação dos Arqueólogos Portugueses”, o docente Varela Gomes refere na bibliografia o artigo de José Vieira publicado no “Jornal de Alferrarede”: “Inicio e Fim do Convento de Nossa Senhora da Graça da Vila de Abrantes”. Aquando da publicação do artigo, José Vieira estava bem longe de vir a saber pelo arqueólogo Dr. Varela Gomes toda a história de uma “taça” relacionado com antigo “Convento das Monjas”, encontrada numa cisterna do antigo Convento da Graça, durante o desaterro para a construção da “Central de Camionagem – Claras”.
Pela importância que o achado tem para a história local e muito pela sua origem, aqui fica o essencial do artigo publicado:  
Revista da Associação dos Arqueólogos Portugueses
Volume 68 2016
taça do convento de nossa senhora da graça, de abrantes – um achado singular?
Mário Varela Gomes
Dá-se a conhecer taça (fig.11/12) encontrada em cisterna do Convento de Nossa Senhora da Graça, de Abrantes. Produzida em “barro fino”, conforme designação que remonta ao seculo XVI, oferece forma ovoide ou de alcofa, a par de profunda decoração constituída por filetes, linhas incisas e dupla teoria de óvulos, associando duas pequenas asas torsas dispostas horizontalmente. Trata‑se de forma rara, barroquizante, mas que encontra paralelo em pequena taca procedente de fossa‑lixeira do antigo Convento de Santana, de Lisboa, onde acompanhava porcelana chinesa, faiança portuguesa e italiana, vidros, etc., cuja cronologia corresponde aos finais do seculo XVI e sobretudo a centúria seguinte
.
fig. 11


fig. 12
ORIGENS
O nosso Amigo, Dr. Fernando Moncada Costa, adquiriu há alguns anos em leilão organizado pela empresa Soares e Mendonça, de Lisboa, pequena taca de cerâmica de barro fino, procedente de cisterna do antigo Convento da Graça de Abrantes, cuja forma e decoração julgamos merecerem registo. A mesma foi depois oferecida, pelo seu proprietário, ao Museu da Olaria, de Barcelos.
O recipiente mencionado mostra, no exterior do fundo, escrita a tinta‑da‑china, a seguinte legenda, em letras maiúsculas, distribuída por linhas sucessivas, atestando a sua origem: “SEC. XVII / V. ARTES DECORATIVAS / VOL.I PAG. 120 E 135 / ENCONTREI‑A / N’UMA CISTERNA / ENTULHADA / DO CONVENTO / DA GRACA / DE ABRANTES / DO DESATERRO / PARA A ESTACAO / DE CAMIONAGEM”. Ao lado direito surge, ainda, a letra maiúscula G, com dimensões maiores que as restantes letras referidas. Desconhecemos o autor deste achado, que demonstrou ser pessoa com conhecimentos de historia da arte, assim como a data em que tal ocorreu.
(texto retirado da revista ARQUEOLOGIA & HISTÓRIA, Vol. 68, 2016 – pág. 214)
 
Fontes:
-Vida de S. Domingos do Frei Luis de Sousa, págs. 203 e seguintes - Edição Lelo Irmãos, 
-Cronologia de Abrantes no Século XIX /XX – Eduardo Campos - Edição CMA 2000/2005.
-Cartas e textos: Direção Geral de Arquivos em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=3781095
-Um achado singular? - Mário Varela Gomes Membro da Academia Portuguesa da História e da Academia Nacional de Belas-Artes/Docente de Arqueologia do Departamento de História e membro integrado do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.
–Desenho de Rogério Ribeiro (fig. 2).
Nota: ver relação peças de ourivesaria provenientes do Convento de Nossa Senhora da Graça de Abrantes em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4740193